Que conversão para a Rússia?…

19 Março 2022

O Papa Francisco consagrará a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria no próximo dia 25 de Março. O mesmo o fará, simultaneamente, em Fátima, o Cardeal Krajewski.       
 
Desde há vários anos, no mundo católico, há quem considere que a Rússia já foi consagrada, em 1984, pelo Papa João Paulo II e se converteu, porque a URSS colapsou e, hoje, a Federação Russa é liderada pelo Presidente Vladimir Putin, que é alegadamente um defensor dos valores da cristandade. Por detrás desta forma de pensar está a ideia de que a conversão predita por Nossa Senhora, em Fátima, dizia respeito apenas ao colapso do sistema soviético. 

Já consagrada?

No entanto, há válidas razões para acreditar que a consagração de 1984 não foi realizada nos termos e modos pedidos por Nossa Senhora. Deixemos aqui de lado as opiniões da Irmã Lúcia, que, embora inicialmente tenha negado que aquilo que a Mãe de Deus havia pedido tinha sido cumprido, só em 1989, com a queda do Muro de Berlim e devido a pressões vaticanas, mudou de ideias e declarou que a consagração da Rússia tinha tido lugar. 
 
Baseemo-nos apenas em factos. Nossa Senhora, em Fátima, explicou que, após a consagração da Rússia, esta se converteria e seria concedido ao mundo um período de paz: «Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará».
 
Pois bem, é verdade que um é o tempo da sementeira e outro o da colheita. E é igualmente verdade que o acto realizado por João Paulo II teve provavelmente, juntamente com outros factores, os seus efeitos benéficos, nomeadamente a implosão, sem grande derramamento de sangue, do monstro soviético. De resto, também a consagração do mundo feita por Pio XII, em 1942, serviu, segundo a Irmã Lúcia, para abreviar a duração da guerra mundial em curso.

Mas vejamos bem.
Será que as últimas décadas foram décadas de paz? Os erros do comunismo desapareceram? Onde está o triunfo do Imaculado Coração prometido por Nossa Senhora? E, acima de tudo, pode-se afirmar que a Rússia se converteu?

Antes de mais, é necessário reflectir sobre o facto de o comunismo não estar, de modo algum, morto, nem ter deixado de espalhar os seus erros: esquecemo-nos de que a ideologia marxista tem uma natureza evolucionista-transformadora e que o seu núcleo central não diz respeito só a um certo tipo de economia, mas a uma ideologia ateísta-materialista. E, hoje, os erros do comunismo manifestam-se noutros tipos de lutas de classe: mulheres contra homens, filhos contra pais, homossexuais contra heterossexuais, animais e ambiente contra o género humano, negros contra brancos, tribalismo indígena contra a civilização cristã e assim por diante.

O regresso à Igreja Católica

E, depois, é necessário ter em mente o que foi escrito pelo Padre Joaquín María Alonso, que entrevistou muitas vezes a última vidente de Fátima: «Poderíamos dizer que Lúcia sempre pensou que a “conversão” da Rússia não deveria ser entendida meramente como um regresso do povo russo à religião cristã ortodoxa, rejeitando o ateísmo marxista dos soviéticos, mas antes referindo-se simples e claramente à conversão total e integral do regresso à única e verdadeira Igreja, a Católica Romana»[1].           
 
De facto, como se pode pensar que Nossa Senhora aceite que o povo russo permaneça no erro do cisma ortodoxo? Será que a Virgem Maria, a exterminadora de todas as heresias, aprovaria então a separação de Roma e do Romano Pontífice? E por que pediria precisamente ao Papa e a todos os bispos do mundo em comunhão com ele a consagração? Não será talvez este um reconhecimento feito por Nossa Senhora do imenso poder do Papado? Não será talvez uma implícita apologia da primazia papal? 

A “Igreja Ortodoxa” russa foi sempre «mero departamento de propaganda dos comunistas dentro e fora da Rússia», afirmou Plinio Corrêa de Oliveira já em 1971. [3]

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Nossa Senhora não prometeu uma conversão à democracia liberal ou aos direitos do homem. Na realidade, a Mãe de Deus não é nem antropocêntrica nem muito menos ecuménica, mas quer a conversão aos direitos de Deus: só assim também a dignidade humana será verdadeiramente respeitada e defendida.    
 
Daí que o efeito primário da consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria é o seu regresso à fé católica. Sim, porque é a Igreja Católica, apesar da sua terrível crise, que possui toda a verdade. Refugiar-se na “ortodoxia” para escapar ao modernismo católico não é a solução, mas sim uma traição. Devemos antes lutar para restaurar e valorizar a doutrina e a liturgia tradicionais da Igreja de Roma, em vez de nos iludirmos que encontraremos na ortodoxia russa um baluarte contra a deriva moral do Ocidente.

A Rússia ainda se deverá converter

Agora, quase quarenta anos após o acto de João Paulo II, não se vê sequer uma sombra do fim do cisma de Moscovo. Pelo contrário. As conversões ao catolicismo na Rússia são pouquíssimas e a legislação admite como religiões tradicionais do país – e, portanto, protegidas – obviamente a ortodoxia, depois o budismo, o judaísmo e o islamismo. Para a religião católica «existe um regime não de liberdade, mas de tolerância, cujos limites com a intolerância são sempre incertos. Considere-se, a propósito, a normativa sobre os vetos administrativos impostos aos ministros de culto estrangeiros e sobre vistos de entrada na Rússia, a fim de impedir a expansão espiritual e garantir a segurança espiritual do país»[2].        
 
Não é coincidência, por exemplo, que nenhum Papa tenha conseguido até agora pôr os pés no território da Federação. Quanto à sociedade russa, não há muita diferença com a dos países ocidentais. A prática religiosa é muito baixa, enquanto que a degradação moral se alastra. A taxa de abortos e divórcios é altíssima, a prática da barriga de aluguer é permitida e os homossexuais, embora não possam manifestar publicamente o seu “orgulho”, têm os seus próprios locais de encontro, pelo menos nos grandes centros urbanos.
 
Tudo isto permite compreender melhor como é necessária uma consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria hoje, ano do Senhor de 2022. Mas para produzir os seus frutos, é necessário que todos os bispos católicos do mundo se unam ao Papa, cada um na sua própria diocese, como expressamente pedido por Nossa Senhora.
 
Dada a gravidade do momento, com o mundo à beira de uma possível terceira guerra mundial depois do conflito russo-ucraniano, o auspício é que o Santo Padre exorte todos os seus irmãos no episcopado a recitarem juntamente com ele a consagração no próximo dia 25 de Março. 

Federico Catani

Fonte: Tradizione Famiglia Propietà
Leia também esta e outras matérias em DIES IRAE
Notas:
[1] Alonso J.M., La verdad sobre el secreto de Fátima, Ejército Azul, Ediciones Sol de Fátima 1988, p. 81.
[2] Codevilla G., La laicità dello Stato nella revisione costituzionale della Federazione di Russia.
[3] Plinio Corrêa de Oliveira – Artigos na «Folha de São Paulo»

NR: Os destaques gráficos a cheio e o formato dos subtítulos são da responsabilidade da nossa Redacção.

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