Embora a nossa época seja amplamente secularizada, as manifestações de ódio satânico ainda são raras. O ódio a Deus disfarça-se, geralmente, de frio laicismo ou indiferença teimosa, atitude que parece mais condizente com a pós-modernidade.
No entanto, o que aconteceu, no dia 18 de Outubro em Santiago do Chile, é a explosão de um rugido de ódio sinistro contra Deus como nunca tinha sido ouvido antes, desde que me lembro.
As duas igrejas históricas, localizadas a poucos quarteirões do epicentro dos protestos, convocados para comemorar o primeiro ano de agitação social neste País sul-americano, que já foi uma ilha de prosperidade e paz na região, tornaram-se, novamente, alvos do ódio diabólico. Digo ‘novamente’ já que, há alguns meses, no decorrer de semelhantes distúrbios provocados por uma esquerda cada vez mais radicalizada, tinham sido severamente vandalizadas.
Neste domingo, os dois templos foram literalmente destruídos. Os media internacionais divulgaram as imagens das igrejas em chamas, enquanto uma multidão de centenas de energúmenos festejava e aplaudia o colapso da torre sineira de uma das duas. Cenas que, certamente, poderiam ter inspirado Dante para a sua descrição do Inferno.
Dois dias depois do incêndio, visitei os escombros das duas igrejas. O que vi nos pedaços de parede ainda em pé eram torpezas e obscenidades. Li uma «consagração» a Lúcifer, escrita num latim macarrónico, «In nomine de nostre Satanas Lucifer excelsi», acompanhada do número 666. No lado oposto, uma condenação a Jesus Cristo: “Morre, Nazareno”. Um pouco mais adiante: «Satanás aprova», referindo-se ao referendo, para a mudança da Constituição, marcada para 25 de Outubro. Tudo temperado com escritos de denúncias contra o clero, a polícia e elogios à «libertação animal».
Caminhando entre as cinzas, observando alguns pedaços da Via-Sacra chamuscada, desfigurada, profanada, senti que estava a assistir a uma renovação da Paixão de Cristo, no meio de um inferno de insolência e brutalidade.
Enquanto gravava algumas cenas dessa visão, vi um homem de modestas condições fazer o mesmo com o seu telefone. Dirigiu-me a palavra para me dizer consternado: «Aqui baptizei os meus netos, queira Deus que não se tornem assim».
Assim que saí daquele espectáculo apocalíptico, perguntei-me: como foi possível que tantos participassem nesta orgia satânica? De onde vem esta geração dos meus compatriotas? Como é que se puderam deixar perverter tanto?
Gradualmente, as respostas vinham-me à mente. Cresceram num ambiente saturado de exigências de igualdade e liberdade. Tudo tinha que ser alcançado imediatamente e para sempre, de acordo com as promessas que lhes foram feitas, nas últimas três décadas, por sucessivos governos de esquerda socialista.
Pouco depois, lembrei-me de um artigo, do Professor Plinio Corrêa de Oliveira, intitulado «O problema dos 4 irmãos», em que se argumentava que, para haver caridade entre eles, era necessário que fossem desiguais. Caso contrário, nenhum poderia ter dado nada aos outros, nenhum poderia receber nada dos outros. A única fraternidade verdadeira, da qual nasce a caridade, é a fraternidade que deriva da desigualdade.
Estes incendiários são fruto de uma ideologia que exige a absoluta igualdade. E nessa ideologia não tem espaço a caridade, porque não pode ser exercida. E dizer que não há lugar para a caridade é o mesmo que dizer que não há lugar para Deus, já que “Deus caritas est”.
Todas estas ideias acumulavam-se na minha cabeça em meio a fortes impressões e ao cheiro de fuligem impregnado nas minhas roupas. Por fim, perguntei-me: como podemos pensar que somos todos irmãos, como diz a última encíclica do Papa Francisco e, ao mesmo tempo, proclamar a igualdade completa, como exigem os organismos internacionais?
Como não ver que da igualdade absoluta, em que, pela força, se deve relativizar o direito à propriedade privada para colocá-la em comum, nasce o espírito anarquista do qual surgiu a destruição destes templos?
Não será que o espírito de rebelião, destinado a ser cada vez mais difundido na geração que cresce no abandono da Fé e das promessas utópicas de igualdade e fraternidade, também crescerá gradativamente?
Levado por estas reflexões, parecia ouvir, ao fundo, o grito desesperado, blasfemo e rebelde: «Non serviam!».
Juan Antonio Montes Varas (de Santiago do Chile)
Fonte: DIES IRAE