Por que a Ucrânia é apoiada por pessoas erradas?

19 Abril 2023

John Horvat II

Num país polarizado, quando um lado apoia entusiasticamente uma causa, a regra de ouro para o outro lado consiste em tomar a posição oposta. No entanto, quando dois inimigos partilham subitamente o mesmo buraco, levanta-se naturalmente a questão: O que há de errado?

Este é o caso da Ucrânia. Os conservadores que apoiam de todo o coração o país invadido encontram-se de repente com estranhos companheiros no «quarto», ou seja, com liberais [1] cujos comportamentos se tornam contraditórios ao se unirem ao lado correcto desta crise em que a Ucrânia é injustamente atacada.

De facto, as mesmas empresas «woke»[2] que iluminam edifícios com as cores do arco-íris e caluniam o «nacionalismo» americano, exibem agora as cores nacionais da Ucrânia.
Os novos comerciantes verdes e pacifistas exigem o envio maciço de munições poluentes para a Ucrânia.
Os radicais das vacinas acolhem milhões de refugiados não vacinados na Europa e 100.000 nos EUA.
Os mesmos fanáticos da Teoria da Raça Crítica que definiam tudo por critério racial estão agora a defender os europeus brancos e louros, de olhos azuis, que outrora desprezavam como «privilegiados».
Notórios liberais como o bilionário George Soros, Sean Penn, Lady Gaga e a Rep. Nancy Pelosi fazem parte da linha pró-Ucrânia.

Desta forma, a esquerda que automaticamente e em tudo discordava dos conservadores, juntou-se a eles por esta justa causa. Não admira que muitos desses conservadores perguntem: «Por que a Ucrânia é apoiada pelas pessoas erradas?».

Unidade ilusória

É claro que todas as pessoas devem simpatizar com a Ucrânia e ajudá-la na medida em que puderem, pois está a sofrer ataque injusto. De facto, os americanos, incluindo a maioria dos liberais, olham a Ucrânia como país brutalmente invadido. A crueldade é vista em todas as casas através da Internet. O lado humanitário da tragédia apela ao generoso desejo de aliviar o sofrimento. Não há «pessoas erradas» que não partilhem desta compaixão.

No entanto, há muitos liberais que apoiam entusiasticamente a Ucrânia não tanto por estar sob ataque, mas por causa do enquadramento do debate. Tragicamente, utilizam a crise da Ucrânia para apoiar a sua narrativa e construir uma contra-narrativa pseudo-conservadora. Neste caso, as pessoas erradas apoiam a causa certa pela razão errada, transformando o conflito ucraniano noutra forma de luta contra tudo o que é conservador.

Democracia liberal vs. regime autocrático

Os meios de comunicação liberais enquadraram a crise ucraniana como conflito entre dois sistemas políticos: a democracia liberal e os regimes autocráticos. Este enquadramento repete-se com tal frequência que poucos se atrevem a contestá-lo.

No entanto, estas falsas alternativas, grosseiramente simplificadas, apoiam a narrativa da esquerda. Por um lado, a Ucrânia representa valores liberais (apesar de a Ucrânia, como todas as nações eslavas, preservar muitos costumes conservadores e religiosos, talvez até mais do que a Rússia). Por outro lado, os meios de comunicação liberais salientam o facto indiscutível de que Zelensky, o presidente liberal da Ucrânia, tem sobre o aborto e a homossexualidade opiniões que enfurecem os conservadores em toda a parte. No entanto, tal como o Presidente Biden na América, as suas opiniões pessoais não reflectem os ucranianos como um todo.

É claro que a associação da Ucrânia a uma causa liberal fortalece os rudimentos do liberalismo em toda a parte. Torna-se um ponto de encontro em que os mais empenhados liberais podem derramar vastos recursos e impor sanções maciças, enquanto tentam evitar a todo o custo uma guerra. Resta saber se esse zelo liberal irá continuar quando a situação se agravar.

Narrativa pseudo-conservadora

O conflito oferece também a oportunidade de (infundadamente) associar valores conservadores ao regime rígido e autocrático de Putin, sendo os verdadeiros valores tradicionais da Rússia transformados em altifalantes para todos os costumes, em todas as partes. Deste modo, os conservadores são empurrados para o lado de Putin, que na verdade não os representa. Em busca de maior credibilidade, os meios de comunicação social fazem todos os esforços para destacar e esfolar as figuras conservadoras que mostram simpatia por Vladimir Putin, apesar das suas posições declaradamente pró-aborto e pró-socialistas.

Tais associações com a Rússia enquadram-se bem nas acusações de que os conservadores americanos estão a pôr em perigo a democracia pela sua oposição à agenda liberal. Ao associar a causa conservadora à tirania, os liberais não querem outra coisa senão forçá-la a defender posições que eles não defendem. Esta abordagem pode facilmente aplicar-se a todos os conservadores, onde quer que se encontrem.

Para os liberais, esta é uma situação vantajosa em ambos os campos. Ao apoiar a justa causa dos ucranianos, eles estão do lado vencedor da opinião pública e do lado certo da sua narrativa. Por outro lado, ao rotular todos os conservadores como adeptos do totalitarismo de Putin, os liberais dividem a direita em facções onde nenhum conservador se sente confortável, colocando-os todos na defensiva.

Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima odiosamente destruída pelas tropas russas de Putin. Tanto pior para elas… (Foto: Caritas-Spes Zhytomyr)

Rejeitando falsas escolhas

A solução correcta para este falso dilema urdido pela esquerda consiste em rejeitá-lo com desdém. Nem os ucranianos nem os americanos devem ser obrigados a defender a democracia liberal ou a autocracia. Esta é uma falsa escolha que não corresponde à realidade de uma nação e de uma Igreja sitiadas. A esquerda apresenta frequentemente ao público falsas alternativas para evitar as questões reais, geralmente de carácter moral. Os liberais evitam as questões morais porque não têm argumento contra elas.

Assim, a presente guerra deve ser considerada independentemente da narrativa da esquerda.

Primeiro ponto: a Ucrânia é uma nação injustamente invadida por outra. Ponto final. Segundo ponto: se o despótico Putin prevalecer, toda a ordem da época pós Segunda Guerra Mundial será perturbada. Ponto final.

E é tudo. Defender a Ucrânia não é validação da agenda liberal nem condenação de uma posição falsamente conservadora, rotulada de pró-Putin.

A Ucrânia não pode tornar-se instrumento de manipulação, nem pela esquerda nem pela direita. A Ucrânia não é peão para ser jogado nas fantasias imaginárias dos teóricos da conspiração ou nos esquemas maquiavélicos dos comentadores dos meios de comunicação liberais.

O pobre povo sofredor da Ucrânia merece ser julgado pelos méritos do seu direito natural de autodefesa e do seu desejo legítimo de permanecer como nação livre, com uma Igreja Católica livre.

Fonte: «The American Society for the Defense of Tradition, Family and Property – TFP»
A tradução deste artigo e os destaques a cheio são da responsabilidade da nossa Redacção.

Notas:

[1] Considerando que este artigo foi escrito por cidadão americano – John Horvat – e para o público americano, cabe esclarecer que os termos «liberal» ou «liberalismo» têm nos Estados Unidos uma conotação mais esquerdista e reformista que na Europa, identificando-se geralmente com o socialismo marxista.

[2] Woke – A ideologia «woke» ou «wokismo» é um ramo da extrema esquerda que, em nome da justiça social, pretende cancelar, multar e calar qualquer argumento contrário. O filósofo Rémi Brague resume-a como «sempre confessar culpas, nunca receber absolvição».
O termo (que significa «acordado», «consciente») começou a ser utilizado na luta afro-americana contra o racismo, sendo no final da década de 2010 amplamente associado a causas políticas de esquerda progressistas e socialmente liberais como o feminismo, o activismo LGBT e outras questões culturais, designadas pelos termos woke culture e woke politics. É uma espécie de «politicamente correcto» para controlar a linguagem em forma de «cultura de cancelamento».

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