O «Ralliement» do Papa Leão XIII e o crepúsculo da Monarquia

22 Novembro 2022

Papa Leão XIII (1810-1903)

Ao longo do século XIX surgiu na Europa, em oposição à Revolução Francesa, uma onda enorme de opinião contra-revolucionária que gerou o aparecimento de movimentos como o da Restauração, na França, do Carlismo, na Espanha, o de Andreas Hofer, na Áustria, e outros.
Foi nessa ocasião que se vincou a ideia de se ser monárquico enquanto católico e de se ser católico enquanto monárquico, ou seja, de ter a consciência da relação profunda entre a forma monárquica de governo e a doutrina católica, a ideia de que Altar e Trono eram aliados naturais contra o avanço da Revolução. Durante séculos, esta ideia permaneceu firme no Clero, na Nobreza e no Povo, principalmente na França, até ao reinado de Carlos X (1757-1836).

Sucedeu, porém, que os monárquicos legitimistas da França, embora mantivessem nas suas terras uma vida de virtude e bom exemplo, não compreenderam inteiramente o lado metafísico que sustentava a sua posição. Já os republicanos, em contrapartida, tinham uma posição revolucionária baseada num princípio metafísico: o igualitarismo.
Foi nesse contexto e durante o pontificado do Papa Leão XIII (1878-1903) que se desferiu um severo golpe contra esse princípio do ser monárquico enquanto católico e católico enquanto monárquico. No âmbito de uma política conhecida como «ralliement», o Papa declarou que não havia nenhuma razão para o católico, enquanto tal, ter preferência pela forma monárquica de governo, sendo livre para escolher entre esta ou entre a forma republicana.

A política de «ralliement» de Leão XIII
Pela doutrina da Igreja, o católico tanto pode efectivamente ser a favor da forma republicana como da forma aristocrática ou monárquica de governo ou dessas formas combinadas entre si. Nisto não haveria nada a objectar do ponto de vista do Catolicismo.
Mas, ao enunciar este princípio, Leão XIII deixou de lado a questão metafísica, ou melhor, a questão política que envolve uma questão metafísica e que se traduz na antipatia da forma republicana contra a forma monárquica de governo por causa do princípio da igualdade, visto sob a perspectiva utópica e revolucionária que se impôs a partir da Revolução Francesa.

Essa era uma questão sensível na França do século XIX, não tendo sido levado em conta esse aspecto fundamental do igualitarismo revolucionário, para se considerar apenas a legitimidade das diversas formas de governo.

Com efeito, o igualitarismo, enquanto posição metafísica, afirma que a perfeição de todas as coisas consiste na igualdade, o que constitui um erro condenável, pois toda a criatura humana tem qualidades e defeitos — morais, intelectuais, físicos, etc. — que a tornam necessariamente diferente de todas as outras.

Sem levar em conta as desigualdades naturais dos homens, o «ralliement» de Leão XIII acabou por levar muitos monárquicos e católicos franceses a esquecerem o fundamento metafísico da sua posição contra-revolucionária, o que semeou confusão e divisão nas fileiras católicas e monárquicas.
A partir daí, muitos católicos passaram a aceitar a República e a participar nas actividades políticas de partidos republicanos, tal como acontece hoje em toda a parte.

E assim, paradoxalmente, o mesmo Papa que tantas e tão frutuosas encíclicas escreveu em defesa da sociedade católica tradicional, condenando severamente o socialismo, permitiu que este abrisse uma brecha na muralha da Civilização Cristã.

A Primeira Guerra Mundial fez o resto do trabalho…

Luís de Magalhães Taveiro


 

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