O Papa woke* sintetiza o “iliberalismo liberal”

14 Fevereiro 2022

O mesmo Papa que em abono dos homossexuais comentou «Quem sou eu para julgar?», não se inibe de sentenciar severamente os católicos fiéis à Tradição Apostólica, privando-os do culto a que têm direito, ou seja, a Missa de sempre.

Daily Telegraph: «O líder ‘misericordioso’ da Igreja Católica está a perseguir uma minoria inofensiva: os tradicionalistas»

Tim Stanley

Provavelmente todos têm do Papa a ideia de que ele é sempre sorridente, misericordioso e tolerante. Para alguns isso pode ser verdade; para outros é piada cruel. O seu tratamento aos católicos tradicionais, para dar apenas um exemplo, é um estudo de caso na hipocrisia liberal.

Muitos tradicionalistas são fiéis a uma antiga liturgia que aqui chamaremos de Missa Latina e que foi seguida pela maioria dos católicos até à década de 1960. Então a Igreja decidiu que as coisas precisavam de ser actualizadas. Fora com o latim! Com o vernáculo introduziram-se novas orações, participação do público, etc. A Missa Latina foi levada para o porão.

Mas em 2007, reconhecendo que o antigo rito não representava nenhuma ameaça à autoridade de Roma, que era atraente e indiscutivelmente parte da tradição católica, o Papa Bento XVI permitiu que fosse novamente usado. O meu pároco decidiu tentar e aprendemos juntos. Servi ao altar, gaguejando em latim de estudante e depois fiz parte de um grupo que se juntava à mesa da cozinha dele, fumando e discutindo sobre o último livro de Bento XVI. Estes foram os dias mais felizes da minha vida espiritual. Foi tão emocionante como estar enamorado. A Missa Latina cresceu em popularidade, particularmente entre estudantes e famílias jovens, enquanto para os progressistas da década de 1960 esse reavivamento provocou um estranho pânico. Os tradicionalistas eram «rígidos», disse o Papa, insinuando que eram psicologicamente doentes. Em Julho de 2021, ele promulgou o motu proprio «Traditiones Custodes», cuja pretensão consistia em cortar pela raiz a Missa Latina, permitindo que ela fosse celebrada onde já existia, mas não crescesse mais. Um bispo pró-Francisco aproveitou até a oportunidade para proibir aos sacerdotes o uso do barrete.

Numa época em que a Igreja ainda se recuperava do Covid e se desculpava pelo escândalo de abuso de menores, essa agressão à liberdade litúrgica parecia bizarramente desnecessária, tendo havido muitos bispos que ignoraram as instruções. O Vaticano cedeu. Em Dezembro passado, tentou proibir baptizados, casamentos, funerais e bênçãos no antigo rito (excepto em algumas «paróquias pessoais»), chegando a interditar sacerdotes de publicar nos seus boletins informativos os horários das missas em latim. Tratava-se de arrancar violentamente pela raiz.

Por que motivo haveria o Papa de perseguir uma minoria inofensiva dos seus irmãos e irmãs na fé? Não foi ele que disse «Quem sou eu para julgar?», referindo-se aos homossexuais, e não foi ele que liberalmente instituiu um «ano de misericórdia»?

Provavelmente a resposta está no facto de ser falsa a imagem mediática de Francisco, pois ele é um clérigo que sobreviveu à «guerra suja» da Argentina e que afiou os dentes numa política que só dava a escolher entre estar no poder ou na cadeia. Em 2010, depois de ter sido filmado a responder perguntas sobre a guerra, o romancista Colm Tóibin, num imperdível ensaio publicado na London Review of Books, referiu-se a Francisco como homem «de aço, distante e formidável, embora um pouco impaciente e em alguns momentos arrogante». Três anos depois, Tóibin observou que a eleição ao trono pontifício «parecia ser imensamente animadora [para Francisco]».

Paradoxalmente, ou talvez não, este «Papa ditador» – como um crítico o chamou – acredita devotamente no espírito dos reformadores dos anos sessenta que desejavam voltar ao que eles consideravam o básico da missão de Cristo, ou seja, voltar à pureza da igreja primitiva ou da igreja dos pobres e colonizados, reavaliando as fontes históricas ou viajando pela Amazónia numa canoa para descobrir que aquilo que queriam Jesus e os homens tribais era realmente o que eles mesmos queriam, ou seja, tambores e um refrão do hino Kumbaya, dos escravos negros. Para eles, era aqui que estava a fórmula para libertar a humanidade. Quem a questionasse deveria ser considerado perverso ou doente.

No início, os teólogos progressistas poderiam ter tido argumentos. O establishment era arcaico e opressivo, mas não tanto porque os progressistas venceram disparando apenas um tiro, apoderando-se das instituições e tornando-se eles próprios o establishment.

Por isso, qualquer grupo de Missa Latina que cresça de uma velhinha para duas velhinhas seja visto como ameaça totémica ao grande projecto dos progressistas. Para eles «é melhor morto do que tradicionalista», especialmente no contexto embaraçoso do declínio geral da assistência à missa. Depois de décadas a tentar fazer a Igreja mais parecida com o mundo, o resultado foi o afastamento dela. A assistência à missa e as ordenações sacerdotais caíram em todo o Ocidente. A árvore deu pouco fruto.

A recente escalada da tirania papal é assim facilmente explicada: o velho pontífice tem pressa em desacreditar e destruir tão completamente a tradição que nada fique dela, quando ele tiver ido embora. Aos tradicionalistas só resta sentarem-se e rezar para que ele saia do caminho, para que os seus decretos sejam revertidos no futuro e para que venha a primavera deles.

«Papa magro, papa gordo», diz o ditado. A Igreja sempre se esgueirou, já passou por coisas piores e sempre saiu do outro lado sem perder a sua identidade. Algum dia, os anos sessenta serão considerados desvio da rota na história ocidental e vistos do mesmo modo que se vê uma curiosa casa antiga, cercada de fitas vermelhas e assinalada com placas. Será reconhecido o erro moral em que as pessoas viviam e pensavam, na estranha ilusão de que esse deveria ser o caminho a seguir para sempre. O homem não decide o futuro, repetem os tradicionalistas. O Espírito Santo, sim.

*Woke – A ideología «woke» ou «wokismo» é um ramo da extrema esquerda que, em nome da justiça social, pretende cancelar, multar e calar qualquer argumento contrário. O filósofo Rémi Brague resume-a como «sempre confessar culpas, nunca receber absolvição».

Fonte: «Daily Telegraph», 7 de Fevereiro de 2022

NR: A opinião do autor não reflecte necessariamente a opinião do IPEC.

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