O colapso da União Soviética… e do seu «sucedâneo»

14 Agosto 2024

O abalo político que determinou a queda da União Soviética ocorreu a 18 de Agosto de 1991 numa tentativa de golpe de Estado empreendida por um grupo de comunistas da linha dura que pretendia manter o Estado Soviético a qualquer preço. Mikhail Gorbachev, então Secretário-Geral do Partido Comunista e Presidente da União Soviética, foi colocado sob prisão domiciliar durante as suas férias na Crimeia, passando Boris Ieltsin a comandar as forças anti-comunistas no Parlamento russo.

Os lances decisivos desenrolaram-se na madrugada de 18 para 19 de Agosto de 1991.

Chegando à sede do Governo, Ieltsin, novo Presidente da Federação Russa, subiu a um dos carros de combate que cercavam o prédio do Parlamento para ler o seu apelo ao povo da Rússia. Atrás dele, os assessores desfraldaram a bandeira tricolor que passou a substituir a da odiosa foice e martelo. «Aquele comício improvisado no carro de combate não foi um artifício de propaganda», recordou ele. «Quando saí e fui ao encontro do povo, senti uma explosão de energia e uma enorme sensação de alívio». Agora Ieltsin liderava a oposição ao golpe que pretendia salvar a União Soviética…

Fazia-o em nome da Rússia, sob as tradicionais cores do Império, mas em rebelião contra o império soviético. A seguir, Ieltsin falou da varanda da sede do Governo a cerca de cem mil moscovitas que foram ao local para lhe manifestar apoio.

Não faltaram oradores naquele dia. Eles sucederam-se durante três horas, dirigindo-se à multidão que respondia com gritos: «Apoiamos-te, Ieltsin!», «A Rússia está viva!» e «Levem a junta militar [comunista] a julgamento!».

As pessoas não queriam «reestruturar» o antigo modelo de vida soviético, conforme pretendia Gorbachev. Queriam, isso sim, construir um novo, ou seja, uma Rússia livre do comunismo, integrada no estilo de vida e no regime sócio-económico ocidental.

«A miséria de Moscovo»

Dois economistas, trabalhando em uníssono, Barbulis e Gaidar, formularam um plano para libertar o país da opressão e miséria, pois a população padecia de grande carência em bens de primeira necessidade. Afirmou, então, o primeiro (que era braço direito de Ieltsin), com toda a clareza: «a situação é realmente extrema, uma vez que o legado [comunista] é monstruoso».

A situação era mesmo caótica. Mais tarde, Baker, Secretário do Estado norte-americano, lembrou que a embaixada americana em Moscovo tinha dificuldade até para conseguir combustível para os seus carros. O aeroporto internacional de Sheremetievo, na periferia da capital, onde pousou o avião do Secretário de Estado, era um dos poucos aeroportos soviéticos ainda em funcionamento, pois muitos estavam fechados por falta de combustível. A maioria dos voos tinha sido cancelada nos outros. E isto num país que era e é um dos maiores produtores mundiais de petróleo e gás natural!

Posteriormente, a 13 de Dezembro, a edição do New York Times (que publicou longos excertos do discurso de Baker em Princeton, na página A24), estampou na primeira página uma matéria intitulada «A miséria de Moscovo», na qual narrava um facto ocorrido na cidade natal de Ieltsin, Sverdlovsk (depois rebaptizada para Yekaterinburg que era o seu nome antes da Revolução Bolchevista): «Esta semana em Yekaterinburg, nos Urais», dizia o artigo, «viam-se pessoas exaustas depois de passar 24 horas à espera, sem terem onde se sentar, sem encontrarem o que comer e sem obterem informações no terminal. Invadiram um avião com atraso e obrigaram a tripulação a ir à Crimeia». Prevalecia o caos no enorme país, carente dos bens mais necessários à vida quotidiana, mas rico em armas nucleares e com uma história repleta de violência e desordem. Esta era a «segunda maior potência» do mundo, conforme até então se acreditava… e conforme ainda se supunha até aos primeiros dias da fracassada, brutal e covarde invasão da Ucrânia.

O facto de Gorbachev ser ao mesmo tempo Presidente da União Soviética e Secretário-Geral do Partido Comunista, até ao malogrado golpe de Agosto, não facilitou muito a distinção entre colapso do comunismo e queda da URSS, mas o certo é que as duas coisas quebraram ao mesmo tempo. Começou até a comentar-se que depois da extinção do Partido Comunista, que aparentemente servia como aglutinador das Repúblicas Soviéticas, não sobraria nada que mantivesse a antiga União.

A «nova» Rússia do tenente-coronel da KGB

Quem veio tentar salvar o que restava dessa antiga e apodrecida Rússia Soviética, foi Vladimir Putin, eleito presidente da nova Federação Russa em Maio de 2000 e alternando duas vezes este cargo com o de Primeiro-Ministro. Putin foi sempre um comunista. Serviu durante 16 anos como oficial da tristemente conhecida KGB (polícia secreta do regime soviético) e logo nos primeiros anos de exercício no poder supremo declarou que «o desaparecimento da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século» (NBC News, 25 de Abril de 2005). Ou seja, para ele, a tragédia não foram os milhões de mortos que as atrocidades da União Soviética causaram em todo o mundo, com guerras, fomes e perseguições implacáveis. O que ele lamentou foi o desaparecimento de quem cometeu os crimes e da realidade geográfica de onde eles emanaram, isto é, o império soviético. As invasões arbitrárias da Geórgia (2008), da Crimeia (2014) e da Ucrânia (2022), mostram bem como ele sempre quis voltar a essa ideia expansionista, embora tenha tentado passar a imagem de grande defensor dos valores cristãos do Ocidente.

Em Novembro de 2022, quando já estava a complicar-se a invasão da Ucrânia, Vladimir Putin recebeu o ditador comunista de Cuba, Diaz Canel, e com ele prestou homenagem a Fidel Castro, inaugurando em Moscovo uma estátua a ele dedicada. Juntamente com seu irmão Raul Castro e com Che Guevara, Fidel foi um implacável perseguidor e assassino de milhares de católicos cubanos. Terá sido com esta homenagem que Putin quis mostrar ao Ocidente como era «defensor» dos valores cristãos?…

As fronteiras da Ucrânia foram definidas e confirmadas pela Rússia Soviética e pós-soviética

A queda da União Soviética teve como resultado directo o referendo ucraniano de 1 de Dezembro de 1991, o qual deu a independência à Ucrânia com mais de noventa por cento dos votos dos eleitores. Vale a pena recordar aqui que as fronteiras da Ucrânia já estavam então definidas, com inclusão da Crimeia e das regiões do Donbas, e quem as estabeleceu foi o próprio Partido Comunista da União Soviética, conforme descreve José Milhazes em «A mais breve história da Ucrânia»:

«A 26 de Abril de 1954, a fim de comemorar os 300 anos da Rada da Pereyaslav, documento que definia a autonomia da Ucrânia no seio da Rússia, e que esta não respeitou, Nikita Khrushov, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, decidiu, apoiando-se numa decisão colectiva da direcção comunista, fazer passar a Crimeia, da Federação Socialista Soviética da Rússia para a República Socialista Soviética da Ucrânia. É de salientar que a decisão foi aprovada pelo presídio do Soviete Supremo da URSS, órgão supremo do país. Na altura, essa decisão não provocou discussões, pois os dirigentes comunistas consideravam que o seu poder era eterno e por isso seria indiferente onde se integraria a Crimeia

Depois do «colosso» soviético, resta saber quando tombará o seu «sucedâneo»

O «colosso» soviético tombou. Na realidade, era um «colosso» com pés de barro, como ficou bem demonstrado pela pobreza que o regime comunista deixou e pela incapacidade de funcionar em regime de eleições livres. Com efeito, entre as eleições da Duma, realizadas em 1990, e a consolidação de Vladimir Putin no Poder, em 2000, decorreram apenas 10 anos, marcados por instabilidade, desorganização, crescimento das oligarquias e descontrolada corrupção. Resta agora saber quando tombará o «colosso» que esse homem da KGB tentou reerguer por meio de invasões e de uma interminável guerra de agressão e conquista que já tem — para a própria Rússia — um custo irreparável e elevadíssimo em perdas humanas e materiais.

Rodrigo de Almeida Carvalhais

Bibliografia:

  • «O Último Império – Os últimos dias da União Soviética», Serhii PLOKHY, tradução de Luiz António Oliveira, Leya Editora, São Paulo, 2015 – citações colhidas das páginas 121, 128, 145, 248, 258, 367, 430 e 433).
  • «A mais breve história da Ucrânia – Dos príncipes de Kyiv a Zelensky», Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2023, pág.319
  • NBC News, 25 de Abril de 2005
  • Mikhail Gorbachev – Artigo (biografia) da Wikipédia
IPEC - Telegram

Ultimos artigos

Isto é o Canadá…

Isto é o Canadá…

No Canadá — tal como ocorre agora em Portugal — os muçulmanos usam e abusam das facilidades que lhe são dadas e ainda podem contar com a cobertura do governo e da chamada «Comunicação Social».

Jogos Olímpicos: opinião dos leitores

Jogos Olímpicos: opinião dos leitores

Superou bem todas as expectativas a onda de reacções e de rejeição à paródia ultrajante que foi a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Transcrevemos aqui a opinião de dois leitores católicos dos E.U.A.

Biblioteca

O Regicídio de 1908
O Regicídio de 1908

Este livro é obra do Professor catedrático de Coimbra, Doutor Aníbal Pinto de Castro, tendo forte conteúdo  evocativo e rara beleza literária....

Share This