
Na noite de 28 de Setembro de 1978, o Papa João Paulo I tomou a última refeição ao lado dos seus colaboradores e do Cardeal Secretário de Estado Jean Villot. Depois do jantar passou algum tempo a trocar ideias com o Prelado e em seguida foi descansar para os aposentos pontifícios. Foi o seu último descanso nesta vida.
A luz do seu quarto não se apagou. Os transeuntes que circulavam pela Praça de São Pedro, às 23 horas, ficaram intrigados pois não era normal que àquela hora o Papa ainda não estivesse a dormir. Às cinco horas da manhã, quando ele costumava levantar-se, a Irmã Vincenza levou-lhe o pequeno almoço. Bateu várias vezes à porta mas o Papa não respondeu. Então ela abriu-a e viu com surpresa que João Paulo I estava sentado e recostado na cabeceira da cama, com os óculos a escorregar pelo nariz e no rosto um traço daquele sorriso que lhe era característico. Nas mãos tinha as folhas de uma homilia. Quando as suas sobrinhas e o seu irmão Edoardo Luciani chegaram, foi esse o semblante que viram no falecido.
A falta de detalhes médicos e científicos sobre a morte do Papa Luciani, aliada a algumas variações na história publicamente divulgada, tem alimentado inúmeras suspeitas sobre a política do Vaticano.
Poucos aceitaram a versão oficial que apontava um ataque cardíaco como causa da morte. Em Outubro de 2019, porém, veio a público a revelação de um dos mafiosos italianos mais activos do século XX, Anthony Raimondi, pertencente à máfia de Colombo, dizendo num livro de memórias ter sido ele quem matou o Papa.
Raimondi disse que envenenou o papa com cianeto a mando do arcebispo norte-americano Paul Marcinkus que era seu primo e que na altura era presidente do Banco do Vaticano.
De acordo com o livro de Raimondi, Marcinkus tê-lo-ia advertido para uma intenção de João Paulo I segundo a qual deveriam tornar-se públicos vários documentos que alegadamente provariam o envolvimento do Vaticano numa fraude financeira na ordem dos mil milhões de euros, relacionada com a venda de títulos de acções falsos, revelando posições do Vaticano em empresas como a IBM ou a Coca-Cola. Tal revelação muito provavelmente, levaria à condenação de várias figuras importantes na Santa Sé.
O plano para travar essa denúncia consistia em dar a João Paulo I um chá com algum calmante que o adormecesse para que alguém pudesse entrar nos seus aposentos e administrar-lhe pessoalmente uma dose letal de cianeto. «Fiquei à porta dos aposentos [do Papa] enquanto serviam o chá», escreveu Raimondi no seu livro «When the bullet hits the bone» (Quando a bala atinge o osso). Quem lhe administrou o veneno foi o próprio Paul Marcinkus, enquanto o mafioso permanecia à porta. «Fiz muitas coisas na vida, mas não queria estar ali quando matassem o Papa. Sabia que isso me compraria um bilhete de ida para o inferno», acrescentou.
Dado o alarme, Marcinkus foi um dos primeiros a «socorrer» o Papa, embora já soubesse que ele estava sem vida. Quando os primeiros socorros chegaram, nada havia a fazer. Albino Luciani estava morto, apenas 33 dias depois de ter sido eleito Papa.
No livro, Raimondi diz que o sucessor de João Paulo I — o polaco Karol Wojtyła, que em homenagem ao italiano adoptou o nome João Paulo II — também ficou ao corrente do escândalo mas nunca o quis revelar por temer pela própria vida.
A confissão de Raimondi não convenceu todos os que leram o livro, sobretudo devido às semelhanças com a história do filme «O Padrinho III». Anthony Raimondi, porém, insiste que isso é apenas coincidência: «Nem acabei de ver o filme, para dizer a verdade. Tudo o que disse no livro mantenho até ao dia em que morrer», afirmou ele em entrevista ao New York Post.
Luís de Magalhães Taveiro