A festa da Exaltação da Santa Cruz é de antiga data: remonta a 335, quando foram inauguradas — ou melhor, dedicadas — as duas basílicas constantinianas de Jerusalém no Gólgota: «Ad Crucem» e «Anástasis» ou Ressurreição.
A celebração desse dia não pretende recordar somente o reencontro da Cruz (obra da piedosa Helena, mãe de Constantino) e a dedicação das duas basílicas. Neste dia, como naquela época, todo o cristão deve fortificar a própria alma com a imagem salvífica do Crucificado e da sua vitória final com a Ressurreição, pois a exaltação de Jesus Crucificado passa pelo sacrifício do Gólgota.
«Exaltar» significa «fazer com que fique alto ou elevado». É esta então a glorificação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. E por causa disto os católicos tomaram a Cruz como símbolo de quanto há de mais santo e como sinal de honra, colocando-a no alto das coroas, usando-a como símblo heráldico nos brasões das famílias nobres ou como insígnia nas condecorações.
O aparecimento da Cruz a Constantino na Ponte Milvia, dizendo «Com este sinal vencerás» (In hoc signo vinces), significava isto. A Cruz levantava-se no céu e ia ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando os seus inimigos.
No fim do reinado de Flávio Focas Augusto, Imperador Bizantino (Império Romano do Oriente), Cosróes, rei dos persas, tendo ocupado o Egipto e a África, tomou também Jerusalém, onde massacrou milhares de cristãos. A Cruz de Nosso Senhor, que Santa Helena colocara sobre o Calvário, foi então levada para a Pérsia. Entretanto, Flávio Heráclio, sucessor de Flávio Focas, afectado pelas calamidades e prejuízos de muitas guerras, pedia a paz sem conseguir obtê-la, em vista das duras condições impostas por Cosróes, inflado que estava pelas numerosas vitórias.
Voltando-se então para Deus e entregando-se com assiduidade ao jejum e à oração, Heráclio implorou socorro para sair dessa situação extrema. Recebendo um sinal do céu para reunir as suas tropas, o Imperador conduziu-as ao campo de batalha onde derrotou três generais de Cosróes com os respectivos exércitos.
Abalado por estas derrotas, Cosróes fugiu em direcção ao rio Tigre e ao mesmo tempo designou o seu filho Medarses como seu braço direito no reino. Mas Síroes, filho mais velho, ficou furioso com esta escolha que considerou injusta, resolvendo armar ciladas tanto para o pai como para o irmão. Alcançou-os na fuga e matou-os, conseguindo assim tornar-se rei e obter o reconhecimento de Heráclio mediante determinadas condições das quais a primeira consistia em restituir a Cruz de Nosso Senhor. E assim, no ano 629, catorze anos depois de ter caído nas mãos dos Persas, o mais sagrado símbolo do Cristianismo voltou para a Terra Santa. Foi o próprio Imperador Heráclio que a carregou sobre os seus ombros até à montanha onde o Salvador a tinha levado.
Nesta ocasião, aconteceu um grande milagre bem digno de memória. Heráclio, coberto como estava de ricos ornamentos imperiais, não pôde passar a porta que conduzia até ao Calvário. Quanto mais se esforçava por avançar, tanto mais se achava impedido de continuar, parecendo que não saía do mesmo lugar. Vendo isto, Zacarias, Bispo de Jerusalém, tomou a palavra e disse: «Considerai, Imperador, que essa ornamentação de triunfo, portando a Cruz, não lembra talvez a pobreza e a humildade de Jesus Cristo». Heráclio, então, despojando-se das suas vestes imperiais e com os pés descalços, trajando-se apenas como homem do povo, fez sem dificuldade o resto do caminho e recolocou a Cruz no Calvário, no mesmo lugar de onde os persas a tinham retirado.
A festa da Exaltação da Santa Cruz, que se celebra todos os anos neste dia, recebeu assim um novo brilho, para relembrar que foi restabelecida por Heráclio no local onde primeiro a carregara o Salvador.
Com tanta razão, digna-se a Igreja universal cantar as glórias da nossa salvação louvando a imagem sagrada do Lenho da Cruz: «Salve Santa Cruz, glória do mundo e esperança verdadeira, fonte da nossa alegria, sinal da salvação, protecção nos perigos, árvore de vida que porta aquele que é a vida do mundo. Alegra-te e exulta, Igreja de Deus, pois três vezes santa adoras hoje o madeiro da Santíssima Cruz, em volta do qual os coros dos anjos assistem assiduamente como ministros no serviço dos seus louvores». (Hino gregoriano «Salve Crux Sancta»).
Luís de Magalhães Taveiro