Diogo Ribeiro de Campos (*)
«O homem de olhar generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre.» (Pr 2, 9), alumia, com a sua douta simplicidade, a Sagrada Escritura. Esta breve citação bíblica é, segundo o meu juízo e como constatará mais adiante o leitor amigo, um adequado intróito ao presente artigo.
Neste mesmo dia 4 de Outubro, festa de S. Francisco de Assis, mas do ano de 1883, há rigorosos 140 anos, abriam-se, no n.º 15 da então R. de Trás da Sé, hodiernamente de D. Hugo, as portas das primitivas instalações da Real Oficina de S. José do Porto, fundada, apenas três anos antes, pelo bondoso sacerdote portuense Sebastião Leite de Vasconcellos (1852-1923), perpetuado como o «D. Bosco português», numa nítida referência a S. João Bosco, com quem se encontrou e aconselhou no que tange ao estabelecimento da benemérita obra de regeneração no Porto. Certamente não esquecidas da memória dos residentes, e não só, permanecem as instalações da R. de Alexandre Herculano, inauguradas sete anos depois.
Em concordância com o que penejou o fundador, num relatório de 1903, «a Real Officina de S. José do Porto foi fundada para, nos termos dos seus Estatutos, salvaguardar o joven da desgraça e da miseria, ou, quando cahido, regeneral-o pelo trabalho e pela religião.» Começada com «oito creanças trazidas do seio de suas familias, aonde viviam em grande miseria e orphãs de pae ou de mãe», a Oficina de S. José conheceu o seu auge mediante a acção infatigável do desvelado director nas ruas da urbe e, em especial, na Cadeia da Relação, onde este catequizava os pequenos delinquentes, administrava-lhes os sacramentos e exortava-os a uma vida nova, acolhendo muitos deles nas instalações da sua casa e educando-os para o trabalho sem nunca deixar de lhes apontar o caminho do Céu. A título de exemplo, os jovens educandos podiam, sob o patrocínio de S. José, aprender ofícios como os de alfaiate, de sapateiro, de encadernador, de tipógrafo ou de marceneiro. Quem não recorda as mais variadas publicações dadas ao prelo na Oficina?
D. Sebastião Leite de Vasconcellos foi contemporâneo de São João Bosco (foto), com quem se encontrou pessoalmente e em cuja obra certamente se inspirou para a replicar em Portugal.
No espaço do quarto de século em que administrou prudentemente a instituição, o seu fundador regenerou aproximadamente sete centenas de jovens que, se não fosse o auxílio providencial do P. Leite de Vasconcellos, poderiam ter-se sujeitado a perpetuamente vaguearem por caminhos de miséria.
Declinando o tempo de descanso e injectando na organização a que dera vida o pouco que arrecadava pelos serviços prestados na Diocese do Porto, o eclesiástico contou, a bem dizer desde o início, com uma rede de fiéis benfeitores, devendo mencionar-se a própria Família Real, com destaque para a Rainha D.ª Amélia, admiradora confessa do labor do P. Sebastião, e a família Leite de Vasconcellos, salientando-se a profícua cooperação prestada pela Sr.ª D.ª Margarida do Carmo e Cruz, pela Sr.ª D.ª Francisca Leite de Vasconcellos e pelo Sr. Dr. Ernesto Leite de Vasconcellos, respectivamente mãe, irmã e irmão do sacerdote.
Eleito para Bispo de Beja, o agora D. Sebastião Leite de Vasconcellos nunca esqueceu a «menina dos seus olhos», preocupando-se, mesmo à distância, em dar-lhe a colaboração que lhe era viável, sendo disso evidência as desmedidas diligências que fez para que a Sociedade Salesiana assumisse a direcção da instituição. Já no exílio, a que foi constrito pelo implacável republicanismo e pelas ciladas da maçonaria, continuou a recordar a instituição nas suas orações e a mover as necessárias influências em terras estrangeiras.
Assim escreveu, a 2 de Fevereiro de 1908, dia da sagração episcopal, um dos seus educandos: «Meu peito, doces phrases estreita!…/Com o coração repleto de alegria,/Não podia esquecer tão bondoso pae,/Nem deixar passar tão grandioso dia.» Este pequeno tipógrafo, de nome José Pacheco, foi decerto porta-voz de quantos a D. Sebastião ficaram eternamente agradecidos pelo bem feito em silêncio.
Finado há um século, a 29 de Janeiro de 1923, foi velado na capela da sua Oficina, templo em que empregou os melhores esforços para que os louvores divinos pudessem ser entoados continuamente num lugar com a dignidade que é exigida, encontrando-se sepultado no cemitério privativo da Santa Casa Misericórdia do Porto, ao Prado do Repouso. A Oficina de S. José veio a ser encerrada, em 2010, pelo Sr. D. Manuel Clemente, à data Bispo do Porto, mas o legado do seu inspirador em momento algum deve ser olvidado por quem na memória agradecida reconhece a presença de Deus. O exemplo de D. Sebastião Leite de Vasconcellos, que desde sempre se fez tudo para todos, deve iluminar os que têm responsabilidades sobre os mais carecidos na alma e no corpo, levando-os a considerar todas as suas escolhas diante d’Aquele que nos criou para vivermos segundo o vínculo da perfeição: a caridade. Honra seja feita aos que passaram por tão nobre casa e que nela deixaram um pouco de si!
(*) Diogo Ribeiro de Campos é membro da Direcção do IPEC e parente do Bispo D. Sebastião Leite de Vasconcellos.