Eutanásia: o suicídio de uma sociedade

20 Novembro 2021

No dia 29 de Janeiro de 2021, o parlamento português aprovou com maioria a lei da eutanásia, tornando-se assim no sétimo país em todo o mundo a permitir que aqueles que se encontrem numa situação de “sofrimento extremo e danos irreversíveis” possam, de forma “livre e informada”, terminar a sua vida de forma “digna”. Na sociedade de hoje, decadente, imoral e perversa, que rejeita a Lei Divina e a Santa Religião, grassa um falso humanismo que se diz defensor da Dignidade Humana e da liberdade individual ao promover actos diabólicos como o aborto, a contracepção, a fertilização in vitro e a chamada “ideologia de género”. Neste sentido, a eutanásia surge para os seus defensores como o expoente máximo do respeito pela “liberdade de escolha”, embora saibamos que esta apenas irá semear a morte e o suicídio da nossa sociedade.

Eutanásia tem a sua origem na palavra grega euthanasía – «boa morte» ou «morte sem dor» – embora nos tempos actuais signifique todo e qualquer acto ou omissão que leve à morte precoce da pessoa, evitando o sofrimento. Outros conceitos médicos como a Distanásia e a Ortonásia, são também muitas vezes referidos quando se aborda o tema da Eutanásia, embora não raramente estes sejam confundidos.

Para melhor os compreender, é importante antes de mais distinguir o que são meios “ordinários” e meios “extraordinários”. Meios Ordinários são todo e qualquer meio comum que a pessoa toma para preservar a sua vida e saúde, como por exemplo a alimentação ou no caso de uma pessoa doente, um tratamento que se sabe curar ou beneficiar sem dúvida alguma o retrocesso da doença (tomemos o exemplo de um antibiótico e uma pneumonia); já um meio extraordinário é todo aquele que, procurando beneficiar o indivíduo, tem também importantes efeitos adversos, podendo em alguns casos ser fútil ou mesmo prejudicial (como exemplo, a quimioterapia num doente terminal ou a substituição das funções vitais por uma máquina num doente em morte cerebral).

Querer o bem do doente é utilizar todos os meios adequados e ponderados à sua situação, mas é também evitar todo o tratamento excessivo que apenas prejudica o doente, que se designa então por Distanásia. Já a Ortonásia designa a suspensão de meios extraordinários, permitindo o curso normal da doença, permitindo uma “morte natural”. A suspensão de qualquer tratamento, ao contrário do que muitos afirmam, não é, portanto, eutanásia. Se com a Ortonásia permitimos a trajectória natural da doença e com a distanásia estendemos desnecessariamente a doença e o sofrimento, com a eutanásia estamos deliberadamente, por acção ou por omissão dos meios ordinários (alimentação por exemplo), a encurtar a vida do doente, isto é, estamos objectivamente a anteceder a morte.

Compreendendo agora o que efectivamente é a eutanásia, porque devemos nós prontamente rejeitá-la? Primeiramente, porque é um atentado directo à vida de um inocente, e como tal, também um atentado a Deus e à sua Lei Divina, através do seu 5º mandamento: «Não matarás». Criados à Sua imagem e elevados pela Sua divina encarnação, somos, portanto, frutos da majestade e da glória do nosso Pai Celeste. Atentando contra um inocente, atentamos contra o próprio Deus.

São muitos aqueles que replicam que a morte neste caso é permissível pois é feita com boas intenções ou porque a pessoa o pede, devendo nós respeitar a sua liberdade, mas uma acção desordenada não deixa de ser desordenada pelas suas intenções. Promove-se também intencionalmente a noção deturpada de que a eutanásia aumenta a liberdade da pessoa. Tal não poderia ser mais ilusório. Como um homem encarcerado perde parte da sua liberdade por se ver limitado nas suas acções, também uma pessoa com menos opções de escolha se sente naturalmente mais privada, menos “livre”, portanto.

Ora a eutanásia mais não é que a rejeição completa da liberdade individual, ao privar a pessoa não só daquilo que é a fonte de todas as suas liberdades – a própria vida – como ao decidir morrer, e à semelhança do suicídio, acaba com toda e qualquer possibilidade de acção futura. Refutamos também a noção de que o doente se encontra na posse das faculdades necessárias para uma decisão verdadeiramente “livre e informada”, isto é, perante uma situação de dor e sofrimento terrível, sabemos que uma pessoa não está plenamente capaz de se inteirar de todas as suas escolhas e a sua percepção da realidade encontra-se facilmente deturpada pelo desespero.

Ora, oferecer nesta situação a possibilidade de morte não mais é que a oferta de um falso “beco sem saída”, promovendo essa percepção “cega”, limitamos a capacidade de escolha da pessoa, em vez de a promover. Por outro lado, a Eutanásia não envolve apenas o doente, mas também os médicos, que por lei estariam “autorizados” a induzir a morte a um doente seu.

Nada podia ser mais contrário à verdadeira “essência” de um médico que promover a morte. Primum non nocere, “primeiro não fazer mal”, aprendemos nós médicos enquanto estudantes de medicina; Curar às vezes, cuidar sempre, outra máxima da arte médica. Desde os primórdios das sociedades humanas viu-se o Homem em necessidade de evitar as maleitas, tratar os males dos seus membros para assim promover a sobrevivência. Desde cedo membros destas sociedades se dedicaram a este ofício, procurando compreender o corpo e as suas funcionalidades, para assim o auxiliar na resolução das doenças. A medicina desde sempre procurou o bem objectivo do doente, compreendendo sempre a inevitabilidade da morte e da fragilidade humana, mas por isso mesmo se comprometeu com as melhores práticas, assentes na ética e na boa moral.

Compreendendo e estudando a história da medicina percebemos quão absurdo seria pedir a um médico que contrariasse a sua própria natureza, seria a sua total corrupção. Certamente que os haverá, médicos que aceitariam de bom grado a eutanásia, mas atrevo-me a dizer que tais médicos nunca foram “verdadeiros médicos”, pois nunca compreenderam a sua natureza e função, rejeitaram ou nunca compreenderam as boas práticas da medicina e o fim para o qual foi criada.

Rejeitamos totalmente a possibilidade do envolvimento de qualquer profissional de saúde, médicos, enfermeiros, auxiliares de diagnóstico, etc em qualquer acção remotamente associada à eutanásia, por precisamente ser contrária ao Juramento que ousamos fazer quando tomamos para nós a responsabilidade de tudo fazer para tratar e cuidar dos mais frágeis, e por destruir a relação médico-doente, pilar fundamental da medicina moderna, pois os médicos deixariam de ser aqueles que tudo fazem para evitar o mal do doente, mas passariam a ser uma espécie de “curandeiros de manhã e carrascos à tarde”.

A Eutanásia não é mais que um sintoma de uma sociedade que tem medo da morte, o que pode parecer paradoxal. A actual sociedade já não está habituada à visão da morte, pois ela já não acontece em cada uma das nossas casas, mas em quartos estéreis e longe de todos os olhares, dentro dos hospitais. Com os sucessivos avanços da medicina, é hoje quase impensável morrer em casa, pois se se está mal, é preciso acorrer ao hospital, pois “tudo é tratável” ou há tratamento para todo o mal. Poderá haver mais fármacos, técnicas de cirurgia, esquemas terapêuticos, mas a morte, esse grande mal, para esse ainda não há cura, para desespero de muitos.

Hoje o medo da morte é algo cada vez mais palpável. Uma sociedade perdida nos seus vícios tem horror ao sofrimento, e não consegue compreender a utilidade deste, procurando cegamente tratamentos e formas de o evitar, pois este é contrário à funcionalidade, à forma perfeita, ao Homem perfeito. Hoje querem-se Homens perfeitos, não se tolera o defeito, disto é exemplo o flagelo do aborto, que na sua génese promove a morte daqueles que não são perfeitos à luz de uma sociedade de consumo e de perfeição.

É nesta necessidade de perfeição, de horror ao sofrimento e medo à morte que surge a eutanásia, como forma de aniquilar aqueles que pela sua fragilidade chocam contra os valores modernos de utilitarismo. O Homem de hoje tem medo de encarar as grandes questões éticas do sofrimento e da morte, preferindo a solução fácil de “varrer para baixo” do tapete quem mais precisa de ajuda.

Com isto, perdemos também a capacidade de ver o Homem pelo que ele vale, isto é, a sua dignidade intrínseca, precisamente por ser feito à imagem do Criador. Vemo-lo agora, consciente ou inconscientemente, fruto da decadência moral da sociedade, como uma máquina feita para realizar certas funções, e se essas capacidades estão defeituosas, então o seu valor é menor.

Não nos iludamos, se perdemos a noção da dignidade humana e reverência pela vida, seja qual for a sua circunstância, rapidamente perdemos a reverência pela vida toda e passamos a ser apenas números.  A Eutanásia é também destructiva para a medicina, pois é contrária ao avanço de novos tratamentos, dando como solução a morte a pedido e, como tal, invalida qualquer necessidade de evolução técnica e medicamentosa. Por fim, promove socialmente uma total discriminação e uma diabólica corrosão do tecido social pois levaria à formação de uma medicina para os ricos e uma medicina para os pobres, pois aqueles com posses teriam certamente capacidade para os melhores tratamentos, enquanto aqueles sem nada teriam como meio fácil de terminar o seu sofrimento a eutanásia.

Tendo desmistificado o conceito da eutanásia, compreendido o seu fim, as razões morais, sociais e médicas pelas quais a devemos prontamente rejeitar, e finalmente os seus terríveis efeitos, podemos por fim afirmar que a Eutanásia não só não serve para a solução de qualquer problema, como abre a porta para toda uma panóplia de graves consequências para a nossa sociedade e, por fim, o suicídio desta.

Diogo Pereira Lopes

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