Entrevista do Embaixador Armando Valladares ao Portal Dies Irae: «A nossa Fé está na Igreja Católica que nunca desaparecerá!» (1/3)

25 Agosto 2021

Encarcerado e torturado durante 22 anos (entre 1960 e 1982), Armando Valladares vive no exílio em Miami, dedicando-se continuamente a combater e denunciar o regime comunista cubano. Em 1987 o Presidente Ronald Reagan nomeou-o Embaixador dos Estados Unidos da América na Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Por ocasião dos mais recentes protestos contra o regime comunista de Cuba, o portal Dies Iræ realizou, em exclusivo, uma grande entrevista ao diplomata e antigo preso político cubano Armando Valladares Pérez.
Em vista da extensão e densidade da entrevista, a redacção do portal Dies Irae decidiu dividir a sua publicação em três partes, dando-nos o privilégio de as divulgarmos também aqui no Site do IPEC.

  1. É um gosto muito grande falar com Vossa Excelência, é uma honra. Sou um admirador de Vossa Excelência, a sua vida estimula-nos muito.

Honra-me muitíssimo ter a vossa admiração. Desde há 20 anos que trabalho muito convosco na Argentina, no Brasil e aqui, em diferentes partes dos Estados Unidos. Faço parte da família TFP.

  1. É uma honra para nós e temos um apreço especial por Cuba, porque é uma nação muito sofredora. Portugal passou por alguns momentos que não podem ser comparados com o que Cuba passou, mas sabemos muito bem qual é o regime que está em Cuba. Sabemo-lo, porque o vivemos por pouco tempo aqui em Portugal. Sabemo-lo muito bem, mas, sobretudo, sabem-no os portugueses que viveram, e ainda vivem, a opressão sangrenta do comunismo nos países da antiga África portuguesa.

Eu sei e tenho que vos agradecer pelo apoio que sempre deram àqueles que lutamos pela liberdade de Cuba. Foi algo extraordinário e exemplar.

  1. E queremos continuar a fazê-lo até ao fim, porque a vitória, não direi que é nossa, a vitória é de Deus. A vitória será de Deus. O comunismo não triunfará, embora tudo faça pensar o contrário, não triunfará! Bem, se Vossa Excelência me permitir, far-lhe-ei algumas perguntas.

Claro! Deixe-me acrescentar, em relação ao que estava a dizer, que é claro que a vitória é de Deus e Deus nunca perde.

  1. Deus nunca perde. Lembro-me muitas vezes daquele facto impressionante que é a morte de García Moreno, Presidente do Equador, quando foi assassinado, mas ainda teve tempo de escrever no chão, com o seu próprio sangue, “Deus não morre”. E isso é algo que devemos ter muito presente, porque Ele também não nos abandona. Deus não nos abandona.

Absolutamente não. Estamos muito identificados em tudo isso.

  1. Muito bem. Senhor Embaixador, a primeira pergunta é quando e em que cidade de Cuba nasceu Vossa Excelência.

Bem, eu nasci na mais ocidental de todas as províncias. Chama-se Pinar del Río e foi no dia 30 de Maio de 1937. Ou seja, no meu próximo aniversário serão 85 anos.

  1. Estava em Cuba o regime de Fulgencio Batista?

Não, não quando nasci. Na segunda ascensão, eu já era nascido. Foi o segundo golpe de estado de Fulgencio Batista, ocorrido no dia 10 de Março de 1952, na época eu era estudante do ensino médio.

  1. Muito bem. Então Vossa Excelência viveu muito de perto tudo o que aconteceu depois da ascensão de Fidel Castro, que escondeu astutamente a sua ideologia comunista, utilizando, inclusive, símbolos católicos. Se bem me lembro, usava um terço ao pescoço, ou seja, como costumam fazer em toda a parte, dissimulam as suas metas finais para conquistar a opinião pública. Como vê Vossa Excelência essa transição para o regime ditatorial comunista que perdura até hoje?

Lembre-se que, na antiga Roma, os primeiros cristãos preferiam morrer despedaçados pelas feras, bem como as suas famílias, em vez de negar a Deus. Para os comunistas, é uma filosofia totalmente diferente. Argumentam que o fim justifica os meios. Por isso, um comunista pode dizer que é católico, que é adventista, que é muçulmano, pendurar um crucifixo ao pescoço. Pode dizer qualquer coisa. Foi este o motivo pelo qual a maioria dos que desceram com Fidel Castro enganaram toda a opinião cubana e internacional. Não foram todos porque muitos, assim que viram que Castro começou a mostrar-se comunista, voltaram para as montanhas para lutar contra ele. Ou seja, aqui está o discurso de Castro cheio de respeito pelo ser humano. Toda aquela verborragia de verdade que seduziu muita gente e muitos acreditaram nele. Aquilo era algo extraordinário, ia respeitar a Constituição… E um dos que acreditou nessas promessas fui eu, mas por muito pouco tempo. A minha primeira decepção foi quando, nos primeiros meses de 1959, foram julgados os pilotos que pertenceram à Força Aérea do governo de Batista. Mas todos os pilotos que bombardearam Fidel Castro na Serra Maestra fugiram nos seus aviões para a República Dominicana, para os Estados Unidos. Enfim. E quem ficou foi o pessoal de terra. Os mecânicos, os trabalhadores da manutenção e alguns pilotos de correio, e esses infelizes, chamados a julgamento num tribunal revolucionário, foram acusados de ser criminosos. Ainda assim, foram absolvidos, porque os próprios revolucionários – alguns deles eram advogados – não encontraram provas para condená-los. Pois bem, quando Fidel Castro soube, disse que não podia ser, que deviam ser novamente condenados e condenados por 30 anos. O Presidente daquele Tribunal, um advogado criado na serra com Fidel Castro, sentiu-se tão envergonhado que se suicidou. Era o Comandante Felix Pena. Esses pilotos condenados foram meus companheiros na prisão. Naquele dia, entendi que nunca teríamos um estado de direito e que estava a começar muito mal. Eu tinha formação religiosa e, antes de chegar a ditadura de Fidel Castro, tinha começado os meus estudos nos Padres Escolápios de Pinar del Río, por isso tinha formação religiosa e também formação política, uma vez que tinha um tio que era anticomunista filosófico, teórico e prático, e, graças a ele, desde muito jovem, soube muito bem o que era o comunismo. Ele até me trazia revistas da União Soviética, que foram proibidas em Cuba. Por outras palavras, era um anticomunista convicto, mesmo antes de Fidel Castro chegar ao poder.

  1. Como se chamava o seu tio?

O meu tio chamava-se Higinio Valladares. Então, muito cedo, em meados de 1959, aquela simpatia inicial acabou. Recordo-me que morava em frente a minha casa um espanhol que viera para Cuba fugido dos comunistas na Espanha e esse homem, que não tinha muita cultura, quando ouviu o primeiro discurso de Fidel Castro, disse-me: “este homem é um comunista”. “Mas, senhor Manuel, como pode dizer que é comunista se está constantemente a dizer que não é comunista?”. “Acredite em mim, este homem é comunista”. E que razão tinha!

  1. Já tinha a experiência da Espanha.

Sim, mas essas experiências eram intransmissíveis e ele não podia transmitir essas experiências que o convenciam, apenas por ouvir um discurso, de que aquele homem era comunista. Penso muitas vezes no senhor Manuel. E, nas muitas ocasiões em que falo com pessoas da América Latina, sobre o quão intrinsecamente perversa é essa revolução, não acreditam em mim e ficam com dúvidas sobre muitas das coisas que lhes digo, por isso lembro-me do senhor Manuel, porque também não sou capaz de transmitir-lhes as minhas vivências

Dando conferências para crianças, no México, há cerca de 20 anos, algumas pessoas apareceram com uns sacos plásticos cheios de taros e bananas, e, do lado de fora, um letreiro que dizia “sobras da Reforma Agrária de Cuba”. Mas eu sabia que os cubanos não tinham o que comer… Todos nós sabíamos que não tinham o que comer e, no entanto, a publicidade lançava sacos cheios e colavam por fora que eram “sobras” da Reforma Agrária. Em Cuba, há sessenta anos que não sobra nada.

  1. E, com isso, enganaram muita gente, mesmo nos meios católicos, incluindo sacerdotes e bispos que apoiavam e continuam a apoiar, infelizmente, o regime comunista não só em Cuba, mas em muitas partes do mundo, que é uma das grandes tragédias que ainda vivemos hoje com a Teologia da Libertação.

Como diz a minha esposa, a nossa Fé não está em nenhum desses sacerdotes. A nossa Fé está na Igreja Católica, que nunca desaparecerá! Pense nesta minha situação: eu estava preso numa cela da prisão de Boniato. D. Cesare Zacchi chega a Havana, reúne-se com Fidel Castro e, cito textualmente, diz aos jornalistas: “Castro é um homem de valores profundamente cristãos”. E, naquele momento, os jovens católicos cubanos morriam diante do pelotão de fuzilamento gritando “Viva Cristo Rei”. Imagine isto. Psicologicamente era algo muito triste. Muito doloroso, porque era algo verdadeiramente terrível.

  1. Vossa Excelência lembrar-se-á que D. Agostino Cassaroli disse algo semelhante na época de Paulo VI: “Os católicos são felizes no regime de Cuba”. E isso deu origem a um protesto da TFP em todo o mundo. Foi o manifesto da Resistência Católica no sentido de pedir a Paulo VI que impedisse isso, porque era uma coisa terrível confundir os católicos dizendo que os católicos em Cuba viviam bem. O que era obviamente falso.

Comentando precisamente essa lamentável declaração, da qual me recordo muito bem, vem-me à mente o dia em que elegeram o actual Papa. Tenho um amigo argentino, um dos meus melhores amigos, e, quando soube da nomeação de um Papa argentino, telefonei-lhe e disse-lhe: “Roberto, elegeram um Papa argentino”. E ele disse-me: “Não, não pode ser. Estão loucos. Como podem fazer isso? Não o conhecem”. Infelizmente, há muitas pessoas que, ao ouvirem coisas como essas, são afectadas na sua Fé. E isso é o mais prejudicial de tudo. Infelizmente, as pessoas não sentem assim e não sabem diferenciar o que é a verdade da Fé da atitude de alguns homens. Infelizmente é assim.

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