Com o nosso agradecimento à Administração do Portal Dies Irae por nos conceder o direito de publicação, apresentamos hoje a terceira e última parte da entrevista exclusiva do Embaixador Armando Valladares.
- Os protestos que começaram agora, no dia 11 de Julho, dão-nos a impressão que correspondem a uma mudança profunda e que algo fundamental está a mudar. O que tem Vossa Excelência a dizer sobre isso? Parece que o regime pode cair, mas tem o apoio da esquerda internacional, especialmente da esquerda católica.
A liberdade é algo de que precisamos para nos realizarmos física e espiritualmente. Nesse dia memorável houve um levantamento em 50 cidades de Cuba. Sentei-me em frente ao computador às 11h00 e às 3h00 da manhã de segunda-feira, a minha mulher veio-me buscar para que dormisse umas horas… Foi extraordinário ver tanta gente na rua a gritar “liberdade, liberdade!”, “não temos medo!”, “abaixo o comunismo!”, “abaixo a ditadura!”. E, depois, os partidários da ditadura tentaram modificar tudo isso dizendo que as pessoas pedem remessas de dinheiro, comida e medicamentos. Não houve uma única manifestação em que as pessoas estivessem a pedir comida ou medicamentos. O que estavam a pedir era liberdade e isso foi reprimido durante décadas e décadas. Um homem sente-se verdadeiramente livre quando tem aquela liberdade interior que só Deus pode dar e ninguém pode tirar.
Em muitas ocasiões, quando os jornalistas me perguntaram o que senti ao recuperar a minha liberdade, eu dizia-lhes: “A liberdade eu nunca a perdi! Perdi o espaço para poder andar, perdi a satisfação de vestir um fato, de partilhar com a minha família todos os dias… Foi isso que perdi, mas não a minha liberdade. A liberdade que Deus dá ao homem, essa ninguém a pode tirar. Assim, no canto mais escuro de uma cela, sempre fui um homem livre. E, agora que vos digo, lembro-me de quando um alto funcionário veio à minha cela, era o Vice-Ministro do Ministério do Interior, o General Enio Leyva, abriu a porta, olhou para mim e disse-me: “Valladares, li o teu livro…”. Porque o meu livro foi publicado na Espanha e em alguns outros lugares. Leram-no imediatamente. Então, eu disse-lhe: “General, desculpe, o nosso livro!”. “Como o nosso livro?”, disse-me. “Sim”, respondi, “porque o argumento foi dado por vós, a única coisa que fiz foi escrevê-lo”. E ele disse-me: “Olha, tu és vários anos mais velho do que eu e, no entanto, olha para mim, estou aqui enrugado, quase calvo, e tu estás sempre a rir…”. Era verdade, eu estava sempre a rir. E respondi-lhe: “Porque aqui, neste cantinho imundo onde durmo, General, durmo com uma grande tranquilidade de consciência. Talvez o senhor não consiga dormir assim”. Jamais esquecerei a maneira como aquele general me olhou! Um olhar assim… não me disse uma só palavra. Um autómato! Colocou o boné quase até à ponta dos cabelos e saiu com toda a sua comitiva de meia dúzia de guarda-costas que o acompanhavam…
Duas semanas depois, esse general foi demitido. E estava numa esquina, em Havana, à espera de um autocarro. Porque em Cuba, quando um desses generais é demitido, perde tudo, perde os três carros, perde as três amantes que tinha, perde tudo. E, depois de um mês e meio, tinham-no, em Pinar del Río, num campo a plantar tabaco. Porque nessa altura houve uma mudança de direcção no Ministério do Interior, tiraram-no e quem o substituiu era um dos que liderava a repressão. Era chefe da polícia política. E, então, como os dois ministros estavam em conflito, o que voltou expulsou-o. E assim foi o fim desse homem.
Naquele dia 11 de Julho de 2021, quando as pessoas saíram às ruas, tenho a certeza que todos, homens e mulheres, se sentiram livres pela primeira vez. E tenho a certeza que, na manhã seguinte, quando acordaram, estavam extremamente orgulhosos. Respeitaram-se a eles mesmos como nunca se haviam respeitado. Hoje, essas pessoas são pessoas diferentes. Conseguiram provar a liberdade. E a liberdade é como uma droga poderosa que, quando se experimenta, fica-se viciado e não se consegue viver sem ela. E é por isso que, quando me perguntam, eu digo que o 11 de Julho foi o fim ou o princípio do fim. Porque todas as pessoas estão lá, apesar da repressão brutal que está a ser cometida. Essas pessoas já sabem o que é a liberdade.
Hoje, a Administração norte-americana é totalmente simpatizante da Revolução Cubana, porque quem lidera Joe Biden, neste momento, é o ex-Presidente Obama, que foi quem normalizou as relações, libertou os criminosos responsáveis pela morte dos «Brothers to the Rescue», que coordenavam um grupo de voluntários que resgatava náufragos fugidos de Cuba. Estou certo de que, quando a Internet for ligada novamente, as pessoas vão-se organizar para uma segunda vez e creio que será definitivo nesta segunda vez.
- Partilho da mesma esperança. A única coisa que me preocupa é a posição do Papa Francisco, porque o catolicismo é diametralmente oposto ao comunismo e, no entanto, existe esse escandaloso apoio ao regime que é tratado com carinho, como aliado, por importantes figuras da Igreja, ao mesmo tempo que acontece toda essa repressão. Eu gostaria muito de ouvir que conselho daria, hoje, Vossa Excelência aos verdadeiros opositores do comunismo.
Bem, aprofundando o que diz, o que está a acontecer é verdadeiramente vergonhoso. Em Cuba, não lhe posso dizer detalhadamente neste momento, mas a tenho certeza de que existe um movimento interno pronto para esse levantamento final. Embora seja muito difícil de acreditar, a verdade é que, nos últimos quinze dias, morreram seis generais. Quando morrem, são cremados imediatamente. Não permitiram autópsias. Dizem que um deles morreu de COVID. E esse era o mais importante porque era o chefe de seis províncias. Era o mais novo dos generais, tinha 57 anos. Há muita especulação sobre o motivo de terem morrido. Ninguém pode acreditar. Numa situação como esta, numa semana morrem seis generais. Quando o Governo dá a informação, não diz do que morreram, eles não dizem. Morreram de motivos não apurados ou estavam doentes. E a irmã de um deles, que vive na Áustria, disse que isso não era verdade, que o irmão tinha uma saúde extraordinária, que não estava doente.
Enfim, há algumas situações que não sabemos como terminarão. Mas a minha mensagem, como a de muitos compatriotas aqui, é que não percam a Fé. Lembrem-se que, por décadas e décadas, Deus foi expulso de muitos lares cubanos. Lembrem-se disso. Que rezem muito e que pensem que o futuro é nosso. E que o homem nasceu para ser livre. E que o povo de Cuba será livre. Estamos constantemente a encorajá-los. E, de vez em quando, faço locuções directas para Cuba e dirijo-me aos repressores, especialmente aos criminosos das boinas negras. Recordo-lhes sempre que os chefes, os generais, qualquer dia vão embora e eles ficam ali com as famílias. Porque os outros têm recursos no exterior. Os generais e os chefes têm milhões de dólares no exterior. Os filhos da maioria deles já estão fora de Cuba. Não reprimam o povo. Estudem História para ver o que acontece quando as ditaduras caem. Vocês estão lá e os vizinhos conhecem-vos. Se mancharem as mãos com sangue, um dia terão que responder à justiça ou, pior ainda, à ira do povo. Porque não vão encontrar um esgoto para se esconder, recordem-se que os chefes vão e vocês ficam. É essa a minha mensagem sempre que tenho oportunidade de transmiti-la.
- Vamos divulgá-la e gostaríamos de lhe agradecer tudo o que nos disse. Pode crer que, aqui em Portugal, rezamos e pedimos a Deus que liberte Cuba, que bem o merece. E pedimos especialmente a Nossa Senhora, que em Fátima disse que a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo para castigar a humanidade. Mas, um dia, o Seu Imaculado Coração triunfará. Esse dia vai chegar!
Eu queria agradecer-lhe por tudo o que está a dizer. E gostaria de lhe dizer que uma agradável recordação que tenho de Portugal foi quando o Presidente Mário Soares organizou um almoço em minha honra, no Palácio de Belém, há muitos anos. E vou contar uma história por essa razão: quando saiu o convite na imprensa, o cônsul cubano telefonou ao presidente para lhe perguntar como se lembrou de convidar um criminoso, um terrorista como eu, um agente da CIA, etc. E o Presidente Soares disse-lhe que não pensava o mesmo. E sabe o que aconteceu? O próprio Fidel Castro telefonou-lhe para lhe dizer que não me convidasse. E Mário Soares também não fez caso e convidou-me. E eu estive com ele e com a sua filha Maria. Soube da pressão que Cuba fez para cancelar aquele jantar que ofereceu em minha honra. Porque ele tinha lido as minhas memórias em francês quando lá estava na clandestinidade por motivos políticos. É por isso que sempre o admirei muito, porque ele não se deixou confundir. E contou-me pessoalmente sobre os problemas que teve em Cuba quando visitou a ilha. Disse-me que faziam questão de apresentá-lo como um comunista português. E que ele tinha que interromper a apresentação e dizer: “não, não sou comunista, sou socialista”. E conto-lhe isto porque não sei se as pessoas o sabem. Estou-lhe muito agradecido pela defesa que me fez e pela coragem política que teve. Quando me recebeu, estendi-lhe a mão para cumprimentá-lo e ele avançou para me dar um abraço. Tinha a edição francesa do meu livro “Contra toda Esperanza”, que tive a honra de autografar. A foto está lá. Eu retribuí o abraço. E ele disse: “venha, quero mostrar-lhe os jardins do palácio”. Quando a porta se abriu, havia um círculo de câmaras de televisão. Sei que Fidel Castro ficou muito indignado com isso e é por isso que lhe conto tudo isto.
- No contexto deste levantamento cubano de Julho, surgiu a questão do embargo americano para tentar explicar as motivações das pessoas que protestam…
Isso é muito importante: a desinformação que existe em relação ao embargo, porque os defensores da ditadura estão a culpar o embargo pela revolta popular de 11 de Julho. Ao embargo, os comunistas e aqueles que os defendem chamam de bloqueio. Eu agradecia que deixassem isto bem claro. Bloqueio foi uma acção militar que aconteceu em Cuba, em 1962, quando Nikita Kruschev colocou os mísseis em Cuba. A ilha foi cercada por navios e porta-aviões e nada podia entrar ou sair da ilha, nem por mar nem por ar.
O embargo, por outro lado, foi uma medida que o governo dos Estados Unidos tomou, legitimamente, porque Cuba roubou todas as empresas norte-americanas, as açucareiras que tinha, as fábricas, as refinarias de petróleo, sem pagar por elas. Confiscou-as e não pagou nada aos Estados Unidos por esse confisco. E, por essa razão, de forma soberana, os Estados Unidos lançaram um embargo contra a Cuba. Mas o embargo excluiu, desde sempre, os medicamentos e os alimentos. Há oito ou nove anos, o parceiro comercial número um de Cuba tem sido os Estados Unidos. Foi um ano em que lhes vendemos quase quatro milhões de dólares. E para que aqueles que ouviram a informação de que o embargo é a causa, Cuba pode comprar nos Estados Unidos todos os alimentos que quiser. Pode comprar todos os medicamentos que quiser. Todos os equipamentos cirúrgicos e médicos que desejar. Pode comprar tudo isso. Até os Estados Unidos lhes estão a vender gado vivo, carne congelada, frangos congelado, ovos, maçãs, madeiras e até a tinta com que se imprime o “Granma”, jornal oficial do Partido Comunista daqui. É claro que as pessoas não vêem nada daquela carne de primeira qualidade que chega, porque tudo vai para os hotéis turísticos e para as elites do partido. No ano passado, os EUA venderam a Cuba 178 milhões em alimentos. O frango que o povo compra com a caderneta de racionamento é vendido pelos Estados Unidos. Além disso, de que pode precisar Cuba que não possa comprar nos quase 200 países que mantêm relações comerciais com a ilha? A aspirina não é um segredo militar americano. Além disso, as bananas, as carnes, o peixe, as abóboras, os pepinos, o açúcar, as batatas, tudo isso nunca foi importado por Cuba. Produzia-se em Cuba. O que aconteceu com os 120 engenhos de açúcar que existiam no país? Tudo isso foi destruído pela revolução. E, hoje, são menos de 14. É assim.
O embargo, a que os comunistas chamam de bloqueio, é uma falsidade total e absoluta. Agora que as pessoas saíram às ruas no dia 11 do mês passado, agora, pela primeira vez em 62 anos, estão a vender lagosta à população. E carne a sério. Onde estavam esses bens? Os comunistas pensam que o povo só precisa de comida. Não, a primeira coisa de que precisa é de liberdade. O único país do mundo onde os cubanos não prosperam, não criam riquezas e não triunfam em todas as actividades, é precisamente Cuba.
Por outras palavras, o embargo é uma grande falsidade. Por que não se levanta o embargo? Perguntam as pessoas. Primeiro, nenhum presidente pode levantá-lo. O embargo foi codificado graças aos nossos políticos cubano-americanos. Neste caso, Lincoln Díaz-Balart e Ileana Ros-Lehtinen. Para levantar o embargo contra Cuba, tem que ir a votos no Congresso e, felizmente, muitos democratas, como Bob Menéndez, que é um democrata, que é um homem muito poderoso porque é o Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, e muitos outros, apoiam a manutenção desse embargo. Mas também existe uma cláusula segundo a qual, para levantar o embargo, deve haver eleições livres e supervisionadas, não pode haver presos políticos e deve-se permitir partidos políticos da oposição. E assim, mesmo que pudesse acontecer que todos os parlamentares americanos no Congresso e no Senado, o Presidente, todo o governo e os 300 milhões de americanos concordassem em suspender o embargo, essas condições ainda teriam que ocorrer: ou seja, haver partidos políticos da oposição, haver eleições livres, não haver presos políticos.
Outra coisa que aconteceria se o embargo fosse levantado é que Cuba poderia receber empréstimos de milhares de milhões de dólares de organizações internacionais a que não pode aceder, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras instituições bancárias. Com um governo como o que temos, onde acha que esses milhões e milhões de dólares iriam parar? Aos bolsos dos generais e dirigentes do partido. Nas actuais circunstâncias, isso serviria para facilitar ainda mais a repressão.
Por isso, dar dinheiro a Cuba, neste momento, é criminoso, porque serviria para aumentar a repressão. E aqueles que se propõem, neste momento, a um diálogo com a ditadura cubana, saibam que o Governo de Cuba é o problema e não pode ser parte da solução.
Espero que se documentem, que entendam o que é o embargo, que saibam que Cuba recebe permanentemente dos Estados Unidos tudo o que lhes compra. Mas tem que pagar em dinheiro. E Cuba quer que lhe dêem milhões e milhões de créditos. E que nós, cidadãos norte-americanos, tenhamos que pagar com os nossos impostos as compras de Cuba. E assim Cuba teria mais recursos para comprar instrumentos de repressão. Cuba pode comprar tudo o que quiser nos Estados Unidos: equipamentos, automóveis, pode comprar tudo isso. Mas tem que pagar em dinheiro e essa é a situação.
- Tudo o que nos disse é muito importante e queremos agradecer-lhe mais uma vez. É uma verdadeira honra poder falar com Vossa Excelência e queremos felicitá-lo pela esperança que a todos dá. Quando veremos aproximar-se a possibilidade da libertação definitiva de Cuba, com glória para todos aqueles que souberam manter-se firmes durante todos estes anos de repressão?
Peço-vos que considerem a possibilidade de destacar toda esta questão, que confunde muita gente. Se algum dia quiserem fazer um programa especial sobre o embargo, disponham. Muitas bênçãos. O triunfo será nosso. Deus está connosco e, como já disse no início desta entrevista, Deus não perde!