Excelentíssimo Senhor
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa
Digníssimo Presidente da República Portuguesa
Palácio de Belém
1349-022 LISBOA
Para aprovar uma lei sobre a eutanásia, Senhor Presidente, «Não havia tempo menos indicado, momento mais desajustado e oportunidade mais perversa do que esta...É quase obsceno». Se isto era verdadeiro e justo em Março, dito por António Barreto, a propósito da crise sanitária e económica (Público, 20/03/21), o que dizer agora, quando o Governo está de saída e a Assembleia com dissolução marcada, deixando atrás de si uma crise política sem solução à vista!
Como se explica esta estranha determinação e o inqualificável oportunismo de aprovar tal lei – iníqua, desumana e absolutamente desnecessária – em tão grave momento?! E que dizer da suspeita falta de legitimidade democrática para tão grave decisão? Chega a ser politicamente grotesco: uma assembleia em dissolução a decidir da dissolução da vida dos seus eleitores!
Acresce que o novo diploma desta lei «traz consigo novas inconstitucionalidades, através do seu novo preceito (o art. 2.º), que pretende “branquear-se” na Lei Fundamental», chegando ao ponto de incluir o definido na definição, conforme destaca Paulo Adragão, constitucionalista e professor de Direito da Universidade do Porto (Stop Eutanásia, 2/11/2021).
«Qualquer lei que legalize a eutanásia – acrescenta Paulo Adragão – desencadeia, aliás, um fenómeno de bola de neve que nunca se sabe onde termina. Como já se viu noutros Países, eutanásia chama mais eutanásia, na prática, é um processo sem fim!»
Recorde também, Senhor Presidente, que para o debate dessa lei não se quis tomar em consideração o parecer categoricamente contrário das Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros, os pareceres, igualmente claros e categóricos, de diversos constitucionalistas de renome, nem, para cúmulo, a maior iniciativa popular a favor de um referendo. Se outros argumentos mais altos ainda não o movem nem demovem, perante este arrogante desprezo do Parlamento pelo próprio eleitorado, não considera Vossa Excelência que é chegado o momento de usar os seus poderes institucionais para conter esta indisfarçável e perigosa propensão totalitária?...
Não poderia ou deveria também Vossa Excelência levar em conta o recente apelo da Associação dos Juristas Católicos para que vete politicamente a lei aprovada no Parlamento? Essa mesma Associação «já várias vezes afirmou a sua oposição à legalização da eutanásia e do suicídio assistido, por essa legalização representar a quebra do princípio da inviolabilidade da vida humana (ou proibição de matar), princípio estruturante da civilização e da ordem jurídica» (RR, 2/11/2021). Não é também Vossa Excelência um Jurista e um Católico identificado com estes princípios?...
Mas mesmo como político e nas suas funções de Chefe de Estado, poderia Vossa Excelência ter-se dado conta do estranho contexto em que apareceu esta nova tentativa de aprovação de uma lei desnecessária. Para desviar as atenções da opinião pública, forjou-se habilmente uma divisão no seio dos partidos da oposição, criando-se uma situação que pretende tornar-se «salvadora» para toda a moribunda esquerda marxista em geral e para o Partido Socialista em particular. Uma situação que lhes permite deixar o poder como «vencedores», ou seja, com a imposição de um dos seus mais sonhados objectivos: a pena de morte por «misericórdia», conforme a prática dos regimes totalitários com que tão bem essa esquerda se tem identificado: o comunismo e o nazismo.
Considerando, Senhor Presidente, que tudo isto parece estranhamente orquestrado para alcançar a aprovação final da eutanásia, dirigimos-lhe, em último recurso, a nossa esperança e o nosso apelo: está nas mãos de Vossa Excelência opor o veto presidencial a esta lei recorrendo a todo o seu decisivo peso institucional e invocando a objecção de consciência para se recusar a promulgá-la.
Durante a campanha eleitoral em que foi reeleito, Vossa Excelência afirmou clara e reiteradamente a sua Fé Católica, sem dúvida com a preocupação de se dar a conhecer ao seu eleitorado, também ele maioritariamente católico. Se ainda professa e honra essa Fé, Senhor Presidente, queira então dar agora um sinal de que é consequente com ela, rejeitando essa lei de evocação totalitária que, em nome de uma cínica «misericórdia», não visa outra coisa senão descartar os inválidos e os doentes considerados inúteis para o Estado.
E se já não professa a Fé Católica, se prefere ignorar a terrível ofensa que faz a Deus Criador e nosso Supremo Juiz, tenha então a hombridade de honrar pelo menos o que disse e a aparência que quis dar aos seus eleitores quando lhe conveio.
Decidindo pela rejeição e pelo veto, como manda a Justiça e o Bem, dificilmente incorrerá Vossa Excelência no risco de ter que abandonar a Presidência da República, mas ainda que tal aconteça, vale mais perder hoje esse cargo do que viver os dias que lhe restam na expectativa assombrada do amanhã que a todos chega, do amanhã das coisas últimas e definitivas, onde nenhum artifício subsiste ou ilude e em que o mais alto responsável pela Nação Portuguesa terá de responder perante o Tribunal de Deus e o Tribunal da História.
Com respeitosos cumprimentos,