Mafalda Miranda Barbosa*
Um só caso de pedofilia ou de abuso sexual, mesmo de maiores, levado a cabo por um sacerdote, é motivo de escândalo, devendo ser tratado de forma exemplar pela justiça dos homens e no seio da Igreja, tal o mal que por meio de um só caso se provoca nas almas. Posto isto, importa tecer algumas considerações acerca das conclusões a que chegou a comissão independente para o estudo dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica Portuguesa.
Lidando a mesma com a investigação de factos com relevância penal, o mínimo que se exigiria era o cumprimento das mais elementares regras processuais. Ao que parece, segundo o método adoptado pela dita comissão, nenhuma delas foi cumprida. O princípio do contraditório e o princípio da presunção de inocência, por exemplo, foram postos na gaveta, sem apelo, nem agravo.
De acordo com as declarações de membros da comissão, os sacerdotes envolvidos deveriam ser imediatamente expulsos do seu ministério, o que pressupõe culpa formada e um juízo acabado sobre a responsabilidade dos mesmos. Ficamos, assim, a saber que foi aditado um novo órgão de administração da justiça. Não contamos só com tribunais, mas com comissões independentes, compostas maioritariamente por psicólogos, psiquiatras e sociólogos, na realização de uma justiça célere, embora pouco justa.
Mas ainda mais grave do que o atentado contra os mais básicos direitos de alguém que, sendo suspeito, nem sequer foi constituído arguido, ficando assim privado de todas as garantias que o ordenamento jurídico lhe confere, é a tentativa de demonização da Igreja e dos sacerdotes que a partir daqui se faz.
A comissão anuncia que encontrou cerca de 4800 vítimas de abusos sexuais cometidos por padres. Trata-se de um número a que se chega, segundo percebi, de acordo com extrapolações matemáticas, mais ou menos duvidosas, que se baseiam em apenas 34 testemunhos e 500 formulários anónimos (sublinho, anónimos) recebidos por internet, cuja credibilidade ninguém pode assegurar, até porque nada impede que uma pessoa submeta mais do que uma resposta. A sua fidedignidade é tanta que, num deles, refere-se que num seminário, que tinha capacidade para albergar 200 crianças, tinham sido violados num ano mais de 1000 jovens. Na televisão, surgem testemunhas de pessoas que dizem ter preenchido o formulário como reacção a declarações do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que tinham considerado injustas. Tudo isto, por si só, é suficiente para garantir que o relatório da comissão só tem um destino: o lixo.
Mas, do alto da sua sapiência, o presidente da referida comissão ousa dar conselhos à Igreja, inclusivamente no que respeita à questão do segredo de confissão. A ignorância sempre foi atrevida e não seria agora que haveria de encontrar-se uma excepção. E as pessoas, em geral, asseguram a sua participação na campanha de histeria gerada em torno do assunto, proclamando que a partir de hoje não vão voltar a deixar os filhos na catequese. Suponho que também não deixarão os filhos na escola, nas actividades desportivas e que as vão segregar da família, seio onde se verifica a maior percentagem de abusos sexuais de menores.
Quanto a mim, gostaria apenas de dizer que, se a Igreja, que transcende os membros que a compõem, jamais vacilará, porque contra ela não prevalecerão as portas do inferno, por mais soezes que sejam os ataques que lhe pretendem dirigir. Se a Igreja é para todos nós o único caminho de salvação, entre os padres que a integram encontramos muitos santos, talvez em maior número que aqueles que a conspurcam. A muitos desses presbíteros devo muito. A muitos agradeço o muito e o pouco que já fizeram por mim, o muito que me ajudaram a crescer na fé. A todos eles, o meu muito obrigada!
15-02-2023
* Mafalda Miranda Barbosa é Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
NR: Os destaques g´raficos a cheio são da responsabilidade da nossa Redacção.