Armando Alexandre dos Santos (*)
Em 1759, os jesuítas foram expulsos dos domínios da Coroa Portuguesa por nefasta ação do Marquês de Pombal. Foram sumariamente confiscados todos os bens da Companhia, não só os de raiz, mas também arquivos, bibliotecas, objetos sacros. Nem sequer os manuscritos dos religiosos foram poupados.
Para o Brasil, as consequências dessa injustiça ditatorial foram enormes. Todo o ensino na América portuguesa estava, desde o século XVI, confiado aos Jesuítas. Sem eles, o Brasil ressentiu-se muito. Foi severamente proibida a utilização do nheengatu, a chamada “língua geral”, utilizada pelos inacianos em sua pregação em todo o litoral do Brasil, desde o Pará até as capitanias do Sul, e que era entendida correntemente por muitos brasileiros de origem europeia e sem qualquer sangue indígena. O resultado dessa proibição é que o Brasil, que poderia ser hoje uma nação bilíngue (como o Paraguai e o Peru), esqueceu quase completamente a memória do velho tupi, que na atualidade somente marca presença nos topônimos, em numerosas palavras do léxico brasileiro e na prosódia característica de algumas regiões em que se fala o “dialeto caipira” (como o considerou Amadeu Amaral). O falar “caipira”, de que legitimamente se orgulha nossa cidade, conserva forte influência do idioma nativo proscrito há 260 anos.
Em 1773, a Companhia de Jesus foi fechada pelo Papa Clemente XIV, pressionado por Pombal e por outros poderosos ministros de monarquias europeias. Foi um doloroso episódio da História da Igreja, até hoje ainda não inteiramente esclarecido.
Nenhuma Ordem religiosa sofrera, até então, uma investida tão brutal como a Companhia de Jesus. A figura caricatural do jesuíta – oculto por detrás das grades de um confessionário e manobrando inescrupulosamente consciências temerosas e, por meio delas, influindo na política das grandes nações – por toda a parte se impunha. Era moda ser contra a Companhia, era moda criticar os Jesuítas. Poucos ousavam, naquelas circunstâncias, defendê-los. Fazia-se em torno deles um como que consenso de hostilidade e desconfiança. Essa a força da propaganda orquestrada, da moda artificialmente imposta.
Dir-se-ia que a Companhia era imensamente impopular. Na realidade, se considerarmos em profundidade, nunca ela teve tanto prestígio como naquela época. Sintoma curioso desse prestígio real, se bem que inconfessado: muitos dos perseguidores da Companhia confiavam precisamente aos tão denegridos jesuítas a educação de seus filhos… E quando a Companhia foi fechada, dois monarcas não católicos se ofereceram a acolher os jesuítas proscritos: Frederico da Prússia e Catarina da Rússia. Reconheciam, com isso, seu papel eminente como educadores de alto nível. Em 1814, o Papa Pio VII restauraria a Companhia de Jesus. Ao longo do século XIX, prosseguiu atuante o preconceito contra ela, e prosseguiu também seu prestígio, até mesmo entre os que a criticavam. Um exemplo curioso é reportado por Gilberto Freyre, em “Ordem e Progresso”. Lembra ele que Ruy Barbosa, quando redigiu um primeiro projeto de Constituição republicana, inseriu um dispositivo proibindo, para todo o sempre, que entrassem jesuítas na República recém-proclamada. A sugestão não vingou e a primeira Constituição do novo regime, promulgada em 1891, não continha essa vexatória exclusão. No entanto, como nota o mesmo Gilberto Freyre, os filhos de Ruy Barbosa foram educados… em colégios da Companhia de Jesus!
(*) ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
- NR: Esta matéria foi escrita em genuíno e correcto português do Brasil, não devendo, portanto, confundir-se com uma aplicação das «regras» do chamado «Acordo Ortográfico», o qual é categoricamente rejeitado pela nossa Redacção.