«Os diferentes partidos não são mais do que escolas de imoralidade e, portanto, companhias de comércio ilícito, onde as diferentes lutas que promovem não são mais do que o modo de realizarem o escambo de consciências, o sacrifício dos amigos e o bem do País, e por conseguinte o modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postas em almoeda as opiniões. A classe dos malfeitores é a que mais tem ganho com as garantias constitucionais.» Luz Soriano (sobre a política do seu tempo)
[Note-se, nestas palavras, como o historiador e político Luz Soriano (1802-1891), apesar de ser liberal e maçon, criticava duramente o regime (Monarquia Constitucional e Liberal) que ele próprio apoiava, sendo por isso testemunha insuspeita do fracasso da moderna «democracia», inspirada nos princípios da Revolução Francesa.]
Vamos correr, no “metropolitano da História”, os principais eventos que antecederam a tragédia.
Em Abril de 1906, amotinaram-se o Cruzador D. Carlos e o Couraçado Vasco da Gama. No mês seguinte João Franco forma governo pondo fim a 30 anos de rotativismo. A Rainha D. Amélia é vaiada no Campo Pequeno; D. Luís Filipe assiste em Madrid ao atentado falhado contra o Rei Afonso XIII; em Novembro rebenta o «escândalo» dos adiantamentos à Família Real – onde esta, de resto, tinha toda a razão – tendo Afonso Costa gritado no Parlamento: «Por menos do que fez o Sr. D. Carlos, rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI!»
Em Março de 1907, Magalhães Lima é eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido e inicia os contactos internacionais, nomeadamente com a Maçonaria inglesa e escocesa, para a implantação da República em Portugal; Luz de Almeida organiza a Carbonária Portuguesa e torna-se seu Grão-Mestre (já em 1899, Heliodoro Salgado tinha activado a Carbonaria Lusitana).
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Manuel Buíça e Alfredo Costa, assassinos da História de Portugal, de El-Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, são vistos como «heróis» pelos seus herdeiros ideológicos, ou seja, por comunistas, socialistas e maçons. Veja-se, aliás, como o caos político de hoje – obra do 25 de Abril e da esquerda – tem tantas semelhanças com o do Liberalismo, nos tempos de Luz Soriano.
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Esta organização tenebrosa constituiu-se como o braço armado da Maçonaria e do Partido Republicano.
Em Maio, João Franco depois de perder o apoio parlamentar e com o apoio do Rei, passa a governar em «ditadura administrativa» depois de o Parlamento ter sido dissolvido.
Os progressistas dissidentes aliam-se aos republicanos, constituindo um comité revolucionário em que participam o Visconde da Ribeira Brava, José de Alpoim, Afonso Costa e Alexandre Braga. Em Julho juntar-se-lhes-ia Egas Moniz, França Borges, Marinha de Campos e outros. Há comícios republicanos por todo o país e rebentam bombas.
Em Agosto de 1907, numa reunião do Conselho de Estado, Júlio de Vilhena vaticinará: «Isto termina e fatalmente, por um crime ou por uma revolução».
Em Dezembro dois políticos portugueses reúnem-se com revolucionários franceses no Hotel Brébant, em Paris, combinando a eliminação de João Franco e de D. Carlos. A embaixada portuguesa sabe do evento e avisa o governo de Lisboa.
Para variar, ninguém acredita em nada e ninguém faz nada!
Trinta membros de um grupo especial da Carbonária, «A Coruja», reúnem-se numa casa na Costa do Castelo para tomarem conhecimento de um plano concreto para assassinar o Rei. Os republicanos compram armamento para a revolução.
No dia 1 de Janeiro de 1908, à cerimónia de cumprimentos, no Paço, faltam os representantes do Partido Progressista e apenas quatro regeneradores comparecem.
João Chagas e Ribeira Brava preparam a revolução. No dia 13 chega aos escaparates o escandaloso livro «O Marquês de Bacalhoa» e é descoberta uma carta de Alfredo Costa para Manuel Buíça – os dois principais executores do regicídio – em que se refere um possível atentado à vida do Rei, para o dia 20.
Em meados do mês, Ribeira Brava levanta da loja do armeiro Heitor seis carabinas Winchester e um lote de pistolas Browning 7.65. A 20 a polícia descobre o complot e apreende as armas à excepção das carabinas. No dia seguinte são presos vários conspiradores, entre eles, João Chagas, Luz de Almeida e António José de Almeida.
No dia 22 Afonso Costa assume a chefia da conspiração e chama José de Alpoim e Ribeira Brava para o coadjuvar. No dia 27, aprova-se a ordem de operações da qual consta a eliminação de João Franco.
No dia 28 dá-se a «intentona do elevador da biblioteca» que falha e dá lugar à prisão de inúmeros conspiradores. Alpoim escapa para Espanha, depois de ter estado escondido em casa de Teixeira de Sousa, que viria a ser o último chefe de governo da Monarquia…
No dia 30 sabe-se que João Franco prepara um decreto repressivo.
Um grupo de 18 carbonários reúne-se em Xabregas, chefiado por Alfredo Costa e assenta no plano para matar João Franco e o Rei. Buíça recebe a carabina com que matará D. Carlos.
No dia 31 o Rei assina em Vila Viçosa o decreto repressivo, que incluía o desterro dos principais chefes republicanos. E tem a premonição de que estava a assinar a sua sentença de morte…
No dia 1 de Fevereiro a Família Real regressa a Lisboa. Os 18 assassinos dividem-se em três grupos de seis. O primeiro fica no Terreiro do Paço, o segundo à entrada da Calçada de Santos e o terceiro em Alcântara.
Um destes grupos tenta emboscar, pelas 14h00, o chefe do governo, na rua onde morava, mas não o encontram.
Pelas 17h00, a Família Real desembarca no Terreiro do Paço onde os espera D. Manuel e a Corte. Não foram tomadas quaisquer medidas de segurança especiais, para não mostrar medo e fingir que está tudo normal. Acresce que João Franco nunca acreditou que se pudesse realizar um atentado ao Rei. Ele seria o único alvo a abater…
Às 17:20 inicia-se o percurso. O desfecho é conhecido.
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Placa alusiva ao Regicídio, colocada no Terreiro do Paço (Lisboa) junto ao local em que foram assassinados El-Rei D. Carlos e o Príncipe Real D. Luís Filipe. O texto da placa não faz referência alguma a regicídio ou assassinato, embora tenha sido inaugurada no centenário dessa tragédia (Fevereiro de 2008).
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O processo judicial não ficou concluído no reinado de D. Manuel II, tendo prosseguido na República. Desapareceu misteriosamente dos cofres do Ministério da Justiça.
Uma segunda cópia, na posse de D. Manuel II, foi roubada da sua residência em Inglaterra, em 1932, pouco antes da sua morte.
Após o atentado o campo monárquico entrou na maior desorientação e cobardia.
Mereceu, por isso, perder e até hoje nunca se soube reagir adequadamente.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto-Aviador (Ref.)
(Excerto do artigo «Considerações à volta do Regicídio»)
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