A América Latina tinge-se de vermelho com a ajuda do progressismo “católico”

31 Maio 2021

Raul Castro discursando no VII Congresso do Partido Comunista Cubano em Havana (Cuba), 16/04/2016. irmão e sucessor «dinástico» do ditador Fidel Castro (em pano de fundo), Raul foi também um perseguidor e um assassino dos católicos que resistiram à perseguição comunista naquele país e que agora se renova em quase toda a América Latina (Foto: Ismael Francisco/ Cubadebate)

Depois de ter entrado com a vitória militar de Fidel Castro, em Cuba, em 1959, o Comunismo internacional lançou-se à conquista de toda a América Latina. Abundam os documentos do Comintern (a Internacional Comunista) que mostram o grande interesse de Moscovo por esta região do planeta: enormes recursos naturais, massas proletárias à disposição, classe política complacente e uma posição geoestratégica perfeita, abrangendo dois oceanos e sob o nariz do arqui-inimigo, os Estados Unidos.      

Além de uma vasta rede de organizações de esquerda, o assalto comunista também contou com um «companheiro de viagem» sem paralelo: a Teologia da Libertação que, tomando forma precisamente naquele período, conduziu muitos católicos para a esquerda. Os resultados não tardaram a chegar: do Peru de Velasco Alvarado, ao Chile de Salvador Allende, à Bolívia de Juan José Torres, ao Panamá de Omar Torrijos, à Nicarágua da Junta Sandinista, o Comunismo tomou o poder em numerosos Países, com a inevitável sequela de fome, miséria e caos.           

Na década de 1980, no entanto, iniciou-se uma fortíssima reacção popular contrária. A eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA terminou com a «sorte» de que Moscovo havia desfrutado até então. Enquanto o Comunismo soviético desmoronava e o apoio do Comintern diminuía, um após o outro, os Governos de esquerda caíram pela via eleitoral. A eleição de João Paulo II, em 1978, também reverteu o curso no campo eclesiástico, culminando com a condenação da Teologia da Libertação, em 1984. Também nomeou muitos bispos moderados e até conservadores, alterando, deste modo, o equilíbrio de forças no interior das Conferências Episcopais. O seu sucessor, Bento XVI, continuou e até reforçou essa linha. Assim, na viragem do novo Milénio, o continente estava quase totalmente colorido de azul. Falava-se de um «momento conservador» da América Latina, situação que parecia que duraria décadas. E pelo contrário…

Em pouco mais de dez anos, a situação inverteu-se. Com raras excepções, os Países latino-americanos são hoje atingidos por um tsunami revolucionário que está a trazer a esquerda de volta ao poder. Enquanto em alguns Países, como o Peru, se trata do renascimento dos velhos fantasmas comunistas, noutros trata-se de uma esquerda que se autodefine «populista» e em outros ainda um novo tipo de revolução que ao antigo marxismo une a ideologia libertária LGBT e um ódio anárquico contra qualquer aparência de ordem. Os analistas falam de uma «revolução molecular generalizada».        

Desde 2018, vários candidatos de esquerda venceram as eleições presidenciais, pondo fim à reacção conservadora nos seus respectivos países: Carlos Alvarado na Costa Rica, Manuel López Obrador no México, Laurentino Cortizo no Panamá, Alberto Fernández na Argentina, Luis Arce na Bolívia.   

Em 2019, o Chile foi abalado por uma violentíssima revolução de carácter anárquico. Dezenas de igrejas foram queimadas e toda a rede do metropolitano de Santiago foi devastada. Os manifestantes exigiam o fim do Estado de Direito e a instauração de uma democracia participativa e libertária. Exigiam também a convocação de uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição aprovada durante o regime de Augusto Pinochet. Cedendo à praça, o governo de Sebastián Piñera, conservador de nome, mas na verdade complacente, convocou eleições constituintes, realizadas há duas semanas juntamente com as municipais.   

O resultado foi um amplo triunfo da esquerda. Na capital, Santiago, venceu a candidata do Partido Comunista, Irací Hassler. A futura Assembleia Constituinte terá uma maioria de extrema-esquerda, incluindo alguns líderes das barricadas anárquicas de 2019. «O País mudou», declarou o Presidente.      

No próximo domingo, dia 6, no Peru, enfrentar-se-ão Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, e Pedro Castillo, candidato do Perú Libre, partido de aberta inspiração marxista-leninista e favorável a um acordo com a guerrilha maoísta do Sendero Luminoso. Castillo prometeu nacionalizar a economia, a educação e até a cultura, seguindo o exemplo de Cuba e da Coreia do Norte. Também ameaçou denunciar a Concordata com a Igreja Católica, por acreditar que a religião é um instrumento de «opressão». No momento em que escrevo estas linhas, as sondagens mostram um empate técnico entre os dois candidatos. Mesmo que Fujimori ganhasse, o simples facto de que metade dos peruanos possam apoiar a esquerda subversiva mostra como o estado de espírito do País mudou em pouco tempo.          

Pouco ou nada foi dito na Europa sobre uma outra revolução em curso. Referimo-nos à Colômbia, posta a ferro e fogo por hordas de manifestantes, muitos chegados de Cuba e da Venezuela. «O País continua paralisado depois de mais de duas semanas de imersão no terrorismo – escreve Eugenio Trujillo. O que está a acontecer na Colômbia obedece a um plano estratégico do marxismo, perfeitamente articulado por Cuba e Venezuela, programado pelo Fórum de São Paulo e executado pelas FARC (guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, n.d.r.) e pelo ELN (Exército de Libertação Nacional, n.d.r.), com o apoio de outros grupos subversivos que operam na Nação». E, mesmo neste caso, o Governo de Iván Duque (nominalmente conservador) está tentado a ceder à praça.

Tudo isto configura o que os analistas apelidaram de «viragem à esquerda» da América Latina. É claro que um fenómeno tão complexo não pode ser atribuído univocamente a uma única causa. Como atento observador da realidade latino-americana (sou peruano de nascimento), não posso, porém, deixar de levantar uma questão, ou melhor, uma suspeita. Este despertar da esquerda latino-americana coincide, aproximadamente, com a eleição ao Sólio Pontifício de Jorge Mario Bergoglio. Não se pode dizer post hoc ergo propter hoc. Mas é legítimo perguntar-se que papel teve nesta «viragem».         

Assim que foi eleito, o Papa Francisco reabilitou a Teologia da Libertação que, de ter sido condenada por Papas anteriores, «agora entrou definitivamente na normalidade da vida da Igreja», segundo declarava o então porta-voz do Vaticano, P. Federico Lombardi. Além disso, fez uma série de nomeações episcopais que, mais uma vez, desequilibraram as Conferências Episcopais para o progressismo. Um caso típico é Mons. Carlos Castillo, punido, pelo Papa Bento XVI, pelas suas simpatias marxistas e nomeado, pelo Papa Francisco para o cargo de Arcebispo de Lima, no Peru. 

A isso devemos acrescentar, sem entrar em detalhes por falta de espaço, a evidente simpatia do Pontífice pelas figuras da esquerda, de Lula no Brasil a Fernández na Argentina. Surpreendeu, por exemplo, que, durante a sua viagem a Cuba, enquanto abraçava o ditador Raúl Castro, Francisco se recusou a receber os seus oponentes. Em duas ocasiões acolheu, no Vaticano, o encontro dos chamados «Movimentos Populares», na verdade organismos da extrema-esquerda latino-americana, mesmo com facções subversivas como no caso do brasileiro MST (Movimento dos Sem Terra).     

Tudo isto tem uma enorme influência sobre o povo latino-americano que, apesar da crescente hemorragia de fiéis para as seitas evangélicas, continua a ser maciçamente católico e, portanto, obediente à palavra e ao exemplo da Igreja. Ainda é cedo para afirmar, mas não para levantar a questão, pelo menos como hipótese de trabalho: quanto é que desta «viragem à esquerda» na América Latina é atribuível ao actual pontificado? 

Julio Loredo

(Leia também esta e outras matérias em DIES IRAE)

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